Pesquisar este blog

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Milagre, um Delírio



Durante o último terremoto no Haiti – 7.3 graus na escala Richter - em 2010, profundos desvios cognitivos de confirmação também sacudiram a região. O terremoto de grandes proporções causou enormes danos ao pobre país. Milhares de edifícios, incluindo os as edificações mais significativas ao patrimônio e à vida da capital - como o Palácio Presidencial, o edifício do Parlamento, a Catedral de Notre-Dame, entre outras igrejas, a principal prisão do país, e todos os hospitais e maternidades - foram indiscriminadamente devastadas. A tragédia contou 316 mil mortos, 350 mil feridos e mais de 1,5 milhão de flagelados, com 2.400 amputações.
O pastor cristão americano Pat Robertson declarou em seu canal televisivo Christian Broadcasting Network que o terremoto era “uma maldição de deus, uma vingança, um castigo”, em função de um suposto “pacto com o diabo”, orquestrado – pasmem – na época da independência do Haiti – em relação à França – em 1804:

Algo aconteceu há muito tempo no Haiti e as pessoas, talvez, não quisessem falar sobre isso. Estavam sob domínio francês… vocês sabem, Napoleão III ou qualquer coisa assim, juntaram-se e fizeram um pacto com o diabo. Disseram: "Vamos servi-lo se nos libertar do Príncipe". É uma história verdadeira. E o diabo disse: "Tudo bem, está combinado". E os franceses foram expulsos. Os haitianos revoltaram-se e conseguiram libertar-se. Mas, desde então, foram amaldiçoados com coisas atrás de coisas. - Pastor Pat Robertson

Além do ocorrido, e do fato de que a suposta “vingança de deus” tardou mais de 200 anos, desde o “pecado cometido”, vale lembrar também que o Haiti foi primeiro país do mundo a abolir a escravidão – amplamente endossada pela bíblia. Terá sido a abolição da escravatura também resultado de algum pacto demoníaco; e eventualmente está sendo punido por deus com estes sacrifícios humanos em 2010? Pat Robertson é um tremendo picareta, um golpista astuto, mas os desvios de confirmação estão amplamente configurados nos cérebros de seus devotos fiéis, e assim o mago contará com uma plateia crédula a ser facilmente enganada.
Antes de uma entrevista ao telejornal do SBT em cadeia nacional, em 14 de janeiro de 2010, sem saber que estava sendo filmado e gravado, o cônsul honorário do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, proferiu as seguintes frases:

A desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui ficar conhecido. […] Acho que, de tanto mexer com macumba, não sei o que que é aquilo. […] O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano, tá foda! - George Samuel Antoine (Cônsul Honorário do Haiti)

Samuel, com um terço do Santo Rosário nas mãos, exprimiu sua fé cristã:

Esse terço nós usamos porque dá energia positiva; acalma as pessoas. Como estou muito tenso, deprimido com o negócio do Haiti, a gente fica mexendo com várias [coisas] para se acalmar. - George Samuel Antoine (Cônsul Honorário do Haiti)

Um dia após suas declarações cristãs, Samuel pediu desculpas em entrevista coletiva, esclarecendo que fala diversos idiomas mas que, mesmo há mais de 30 anos no Brasil, “não domina a língua portuguesa”. Disse também, por meio de nota do consulado, que “teve seus dizeres interpretados de maneira deturpada".
Antoine é um escroque, e suas explicações só acentuam a baixeza de seu caráter; mas muitos pensam como ele, pessoas de bem, como alguns dos meus leitores. Parte de toda esta fantasia sobre a realidade pode ser explicada pelos fenômenos psicológicos conhecidos por (1) Desvios Cognitivos de Confirmação, (2) ToM - Teorias da Mente, (3) e a adesão do cérebro humano a Falsos Positivos – resultantes de aspectos neurais potencializados pela ignorância sobre o comportamento humano, sobre a aleatoriedade, além de disciplinas do ensino fundamental e avançado.
Ainda no Haiti, Hoteline Losama, entre outras pessoas, foi resgata com vida quase uma semana após o sismo. Durante este tempo ela esteve protegida por um espaço aleatoriamente formado por forros, pedras, e uma geladeira, e perto de muitos mais cadáveres que não gozaram da mesma sorte; mas ainda assim um dos membros do grupo de resgate afirmou ter sido “uma bênção”. A jovem resgatada considerou o seu destino como “um milagre”.
Desviar os olhos dos 316 mil mortos, entre eles muitas crianças, e celebrar como “benção” o resgate de uma única pessoa, e corroborando assim uma crença prévia em bênçãos e milagres, constitui um clássico exemplo dos Desvios Cognitivos de Confirmação – e uma atitude execrável...
Quinze dias após o terremoto, um homem ligou para os seus familiares e amigos, e uma mulher ainda soterrada atendeu. Ela estava viva, e houve comoção e clamor: “Milagre!”. Ela tentou orientar as buscas, e uma equipe da Cruz Vermelha Internacional foi até o local com cães farejadores, mas o esforço foi em vão. A bateria acabou, e as equipes de resgate não puderam encontrá-la com vidaSe deus pretendia tal destino, por que permitiu a ligação telefônica? Onde está a “força superior”, senão em nossa formação inferior, além de tendências ilusórias, e propensão ao autoengano?
E peço aqui que outra mulher, também excepcional, dê o seu recado:

Eu não acredito nestas pessoas que sabem tão bem o que deus quer que elas façam; por perceber que isso sempre coincide com seus próprios desejos. – Susan Anthony

Durante um desmoronamento em uma mina no Chile, 13 homens foram soterrados. Vozes foram detectadas, e saíram as manchetes nos jornais: “13 hombres y un MILAGRO!”. Depois se descobriu que apenas um homem, dentre os treze soterrados, havia sobrevivido: “milagro”.
Mas como o nosso cérebro nos convence de que estamos sempre certos? Michael Shermer nos mostra o caminho:

Uma vez que criamos uma crença, e nos comprometemos com ela, nós a mantemos e reforçamos com fortes heurísticas cognitivas, que garantem que ela esteja correta. Uma heurística é um método mental para resolver problemas pela intuição, pela tentativa e erro [...]. – Michael Shermer (Cérebro e Crença; 2012)

Essas heurísticas podem no entanto falhar, e falham com muito mais frequência do que imaginamos, distorcendo a nossa percepção da realidade, e encaixando conceitos pré-concebidos, conhecidos como Desvios Cognitivos de Confirmação.

Crenças configuram percepções. Não importa que sistema de crenças esteja funcionando — religiosas, políticas, econômicas ou sociais —, esses desvios cognitivos moldam a maneira como interpretamos a informação que chega por intermédio de nossos sentidos e dão uma forma adequada à maneira como queremos que o mundo seja, e não necessariamente como ele realmente é. Chamo esse processo de confirmação de crença. – Ibidem

 Existem heurísticas cognitivas ou desvios específicos, que operam para confirmar as nossas crenças, atuando em conjuntamente como outros distúrbios, como a tendência à busca e reconhecimento de padrões; um recurso evolutivo essencial, mas que pode falhar, detectando falsos padrões, além da tendência ao animismo e ao intencionalimo.
Vejam o poder da crença, conduzidos pelo autor da área científica, roteirista – MacGyver e Star Trek - e físico, Leonard Mlodinow:

Alguns anos atrás, um homem ganhou na loteria nacional espanhola com um bilhete que terminava com o número 48. Orgulhoso por seu ‘feito’, ele revelou a teoria que o levou à fortuna. “Sonhei com o número 7 por 7 noites consecutivas”, disse, “e 7 vezes 7 é 48”. Quem tiver melhor domínio da tabuada talvez ache graça do erro, mas todos nós criamos um olhar próprio sobre o próprio e o empregamos para filtrar e processar nossas percepções, extraindo significados do oceano de dados que nos inunda diariamente. E cometemos erros que, ainda que menos óbvios, são tão significativos quanto esse. – Leonard Mlodinow (Subliminar; 2013)

Estes erros fazem parte do corpus de estudo da Neuropsicologia. No caso acima, o felizardo ganhador e crente no sobrenatural, incorreu em pelo menos um Desvio Cognitivo de Confirmação: a Tendência Retrospectiva; além do singelo desvio intelectivo, afinal “7x7” é matéria do ensino básico, e o resultado é “49”, e não “48”. Shermer nos esclarece a questão em Por que acreditamos em coisas estranhas (2011) e Cérebro e Crença (2012):

Construímos nossas crenças por várias e diferentes razões subjetivas, pessoais, emocionais e psicológicas, em contextos criados pela família, por amigos, colegas, pela cultura e a sociedade. Uma vez consolidadas essas crenças, nós as defendemos, justificamos com uma profusão de razões intelectuais, argumentos convincentes e explicações racionais; Primeiro surgem as crenças e depois as explicações. - Michael Shermer (Cérebro e Crença; 2012)

Primeiro aderimos às crenças, para só então tratar de justificá-las por meio de argumentos supostamente racionais. E por esta razão, pessoas inteligentes e cultas também podem acreditar em coisas absurdas.
Hume, indelével:

Os homens não ousam confessar, nem mesmo a seus corações, as dúvidas que têm a respeito desses assuntos. Eles valorizam a fé implícita; e disfarçam para si mesmos a sua real descrença, por meio das afirmações mais convictas e do fanatismo mais positivo. - David Hume

James, impecável:

Alucinação é uma forma estritamente sensacional de consciência, uma sensação tão boa e verdadeira quanto se estivesse ali um objeto verdadeiro. Acontece, simplesmente, que o objeto não está ali. - William James (Princípios de Psicologia; 1890)

Q.E.D.

Carlos Sherman

segunda-feira, 30 de março de 2020

COVID-19 E A CORAGEM DA VERDADE



Observem o Gráfico e a Tabela acima, informações atualizadas em 30 de Março de 2020, cuja fonte é o MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL! O que podemos concluir de uma análise superficial, com noções básicas de estatística? O que você vê? Primeiro, que a riqueza não é parâmetro de contágio, mas densidade populacional sim - como se nota também na Europa e nos Estados Unidos. O problema, no caso da riqueza ou da pobreza, é a taxa de mortalidade. Já imaginou o que acontecerá em uma favela? Na África, com baixa densidade demográfica em relação com a Europa ou Ásia, o contágio será propagado mais rapidamente nos países mais densamente povoados, como a África do Sul; mas a morte encontrará morada nos países mais pobres. E é importante considerar que a África entende de barreiras epidemiológicas; e, apesar dos pesares, sabem cumprir uma quarentena. Eles conhecem o preço do sofrimento, e já perderam a conta...

Depois, notamos que o vírus prefere sim climas amenos ou frios, mas vive muito bem em todos os climas do planeta, do norte ao sul da Europa, no fim do inverno, e da Austrália ao Brasil, passando pela Malásia, Índia, todo calor Africano, e nas dimensões continentais dos Estados Unidos. Mas as pandemias se comportam de forma muito distinta em termos de sazonalidade, quando comparadas com o convívio viral típico.

Muitas doenças infecciosas aumentam e diminuem com as estações do ano. A gripe geralmente chega com os meses mais frios do inverno, assim como o norovírus o "vírus do vômito". Outros, como a febre tifoide, tendem a atingir o pico durante o verão. Os casos de sarampo caem durante o verão em climas temperados, enquanto nas regiões tropicais atingem o pico na estação seca. Por isso, muitas pessoas agora estão perguntando se podemos esperar uma sazonalidade semelhante no caso Covid-19. Desde que surgiu na China, em meados de dezembro, o vírus se espalhou rapidamente, com o número de casos agora aumentando mais acentuadamente na Europa e nos EUA. Muitos dos maiores surtos ocorreram em regiões onde o clima é mais frio, levando a especulações de que a doença possa começar a diminuir com a chegada do verão. Muitos especialistas, no entanto, já alertaram contra o uso desta informação como uma certeza epidemiológica, o que seria inteiramente falso.

E eles estão certos por recomendarem a cautela. O Covid-19 - oficialmente denominado SARS-CoV-2 - é novo demais para ter dados firmes sobre como os casos mudarão com o tempo. O vírus Sars estreitamente relacionado que se espalhou em 2003 foi contido rapidamente, o que significa que há pouca informação sobre como foi afetado pelas estações do ano. Mas existem algumas pistas de outros coronavírus que infectam os humanos sobre se o Covid-19 pode eventualmente se tornar sazonal.

Um estudo realizado há 10 anos por Kate Templeton, do Centro de Doenças Infecciosas da Universidade de Edimburgo, Reino Unido, descobriu que três coronavírus - todos obtidos de pacientes com infecções do trato respiratório em hospitais e cirurgias de GP em Edimburgo - mostraram “sazonalidade acentuada no inverno ”. Esses vírus pareciam causar infecções principalmente entre dezembro e abril - um padrão semelhante ao observado com a gripe. Um quarto coronavírus, encontrado principalmente em pacientes com sistema imunológico reduzido, era muito mais esporádico. Há algumas dicas de que o Covid-19 também pode variar com as estações do ano. A disseminação de surtos da nova doença em todo o mundo parece sugerir que ela tem preferência por condições frescas e secas.

Uma análise inédita comparando o clima em 500 locais em todo o mundo onde houve casos do Covid-19 parece sugerir uma ligação entre a disseminação do vírus e a temperatura, a velocidade do vento e a umidade relativa. Outro estudo não publicado também mostrou que temperaturas mais altas estão ligadas à menor incidência de Covid-19, mas observa que a temperatura sozinha não pode explicar a variação global na incidência. Pesquisas posteriores ainda não publicadas preveem que o clima ameno e/ou frio é o mais vulnerável ao atual surto de Covid-19, seguido por regiões áridas. Partes tropicais do mundo provavelmente serão menos afetadas, dizem os pesquisadores. Mas outro fator muito importante aí, é a densidade populacional. Normalmente, regiões áridas são menos povoadas, assim como regiões úmidas em densamente florestais.

Mas sem dados confiáveis ao longo de várias temporadas os pesquisadores só podem confiar na modelagem computacional para prever o que pode acontecer ao longo do ano. Extrapolar dados sobre a sazonalidade do Covid-19 com base em coronavírus endêmicos - ou seja, vírus que circulam nas populações humanas há algum tempo - é um desafio. Isso não é menos importante, porque os vírus endêmicos são sazonais por vários motivos que podem não se aplicar atualmente à pandemia do Covid-19.

As pandemias não seguem os padrões sazonais...

Como dito, as pandemias geralmente não seguem os mesmos padrões sazonais observados mesmo em surtos. A gripe espanhola, por exemplo, atingiu o pico durante os meses de verão, enquanto a maioria dos surtos de gripe ocorre durante o inverno. Deixando um registro oficial de 50 milhões de mortos; que, em função da precariedade da época, podem ter chegado facilmente à 100 milhões. Vale lembrar ainda que a epidemia começou nos Estados Unidos, durante a Primeira Guerra, tendo sido acobertado pelas autoridades, até ser desvelada ao mundo pela Espanha - que finalmente teria o seu gentilício ligado à epidemia. E o próprio avô do presidente Trump morreu da doença. Ele minimizou o efeito da nova pandemia, para depois curvar-se aos números, que catapultaram os Estados Unidos ao topo da lista, com 50% mais em casos do que a China, embora com uma população 5 vezes menor. "Eventualmente, esperaríamos ver o Covid-19 se tornar endêmico", diz Jan Albert, professor de controle de doenças infecciosas especializado em vírus no Instituto Karolinska, em Estocolmo. “E seria realmente surpreendente se não mostrasse sazonalidade na época.

A grande questão é se a sensibilidade deste vírus às estações influenciará sua capacidade de se espalhar em uma situação de pandemia. Não sabemos ao certo, mas deve estar profundamente entendido que isso é possível." Portanto, precisamos ser cautelosos ao usar o que sabemos sobre o comportamento sazonal de outros coronavírus para fazer previsões sobre a atual pandemia de Covid-19. Mas por que a família coronavírus é sazonal? E por que isso oferece esperança para esse surto? Os coronavírus pertencem à família dos chamados "vírus envelopados". Isso significa que eles são revestidos com uma camada oleosa, conhecida como bicamada lipídica, cravejada com proteínas que se destacam como pontas de uma coroa, ajudando a dar-lhes o nome - sendo "corona" a versão em Latim para coroa.

Pesquisas com outros vírus envelopados sugerem que esse revestimento oleoso os torna mais suscetíveis ao calor do que aqueles que não possuem um. Em condições mais frias, o revestimento oleoso endurece para um estado semelhante a borracha, assim como a gordura da carne cozida endurece à medida que esfria, para proteger o vírus por mais tempo quando está fora do corpo. A maioria dos vírus envelopados tende a mostrar forte sazonalidade como resultado disso. Mas, pesquisas já mostraram que o Sars-Cov-2 pode sobreviver por até 72 horas em superfícies duras, como plástico e aço inoxidável, a temperaturas entre 21-23 °C (70-73 °F) e umidade relativa de 40%.

De forma que, não sabemos como o vírus Covid-19 se comporta diante da temperatura e umidade, e precisamos de mais tempo, dados confiáveis, e testes. Por outro lado, pesquisas com outros coronavírus sugerem que eles podem sobreviver por mais de 28 dias a 4 °C. O que poderia justificar mais contaminação em climas frios do que quentes, mas nunca eliminar o contagio sob outras condições, e principalmente como justificativa para descartar o isolamento. Isso porque mesmo diante de uma sobrevida mais baixa no calor, a densidade populacional desempenha um caráter forte de disseminação, e uma vez contaminado a luta passa ocorrer dentro do organismo. Um coronavírus intimamente relacionado que causou o surto de Sars em 2003 também sobrevivia melhor em condições mais frias e secas. Por exemplo, o vírus Sars em superfícies secas e lisas permaneceu infeccioso por mais de cinco dias entre 22 e 25 °C, com uma umidade relativa de 40 a 50%.

Quanto mais alta a temperatura e a umidade, mais curta foi a sobrevida do vírus. Lembrando sempre que isso aumenta ou diminui a OPORTUNIDADE infecciosa, por mais ou menos tempo, mas se o contagio é rápido, pela densidade populacional, então essa variável será praticamente anulada. É por esse motivo que as pandemias não respeitam climas e períodos sazonais típicos. “O clima entra em jogo porque afeta a estabilidade do vírus fora do corpo humano quando expulso por tosse ou espirro, por exemplo”, diz Miguel Araújo, que estuda os efeitos das mudanças ambientais na biodiversidade no Museu Nacional de Ciências Naturais de Madri Espanha. “Quanto maior o tempo em que o vírus permanece estável no ambiente, maior sua capacidade de infectar outras pessoas e se tornar epidêmica. Enquanto o Sars-Cov-2 se espalhava rapidamente por todo o mundo, os principais surtos ocorreram principalmente em locais expostos ao clima frio e seco.”

Por outro lado, o frio faz com que as pessoas procurem o confinamento, para proteger-se do frio. Mas é muito importante repetir: A OPORTUNIDADE DE CONTAMINAÇÃO POR SOBREVIDA DO VÍRUS FORA DO COMPORTO É SUPERADA PELA DENSIDADE CONTAGIOSA. Explico com um exemplo, não sendo este o caso do Sars-Cov-2, pela carência de dados: se o vírus vive fora do corpo humano por apenas um dia em clima quente e úmido, três dias em clima quente e seco, e cinco em clima frio, a oportunidade de contágio será proporcional à essa condição; mas, a concentração de pessoas representará um fator multiplicativo, em uma taxa de contágio de um para seis, o que supera inclusive a componente de sobrevida do vírus; concluindo que tanto o clima quando a densidade demográfica jogam papéis relevantes, sendo a densidade demográfica superior em qualquer pandemia.

Os modelos estatísticos parecem confirmar ao padrão de surtos em todo o mundo, com o maior número de casos fora dos trópicos. Ou seja, no caso do Brasil isso diminuiria a incidência apenas no Norte do Brasil, e precisamente em nossas regiões menos povoadas; explicando também porque existe mais casos no Sul e Sudeste, com temperaturas mais amenas e em regiões densamente povoadas. Araújo, o especialista espanhol citado, acredita também que se o Covid-19 apresentar a sensibilidade esperada para a temperatura e umidade, isso pode significar que os casos de coronavírus poderão eclodir em momentos diferentes por todo o mundo. Isso sem descartar que o raciocínio não modifica as ações neste momento, já que estamos lidando com uma pandemia; mas aponta o futuro para esta doença que passará a viver entre nós. É razoável esperar vírus da mesma família mutacional compartilhem comportamentos semelhantes. Mas Araújo destacada que “[...] essa não é uma equação de uma variável. O vírus se espalha de humano para humano. Quanto mais humanos em um determinado local e quanto mais eles entrarem em contato, mais infecções haverá. O comportamento deles é essencial para entender a propagação do vírus.” E retornamos ao importante aspecto das barreiras epidemiológica.

Uma pandemia não é uma equação 
com apenas uma variável... 

Outro estudo, dessa vez conduzido pela Universidade de Maryland, mostrou que o vírus se espalhou mais nas cidades e regiões do mundo onde as temperaturas médias estão em torno de 5-11 ° C (41-52 ° F) e a umidade relativa é baixa. Mas também houve um número considerável de casos em regiões tropicais. Uma análise recente da disseminação do vírus na Ásia, por pesquisadores da Harvard Medical School - onde também estudei -, sugere que esse coronavírus pandêmico será menos sensível ao clima do que muitas esperam. Eles concluem que o rápido crescimento de casos em províncias frias e secas da China, como Jilin e Heilongjiang, juntamente com a taxa de transmissão em locais tropicais, como Guangxi e Cingapura, sugere que aumentos na temperatura e na umidade, durante a primavera e o verão, poderão levar ao declínio nos casos. Lembrando que o Brasil adentra o outono, à caminho do inverno - que é bem mais rigoroso no sul. O estudo enfatiza ainda sobre a necessidade de extensas intervenções e extremas medias em saúde pública para conter e controlar o avanço da doença.

Isso ocorre porque a propagação de um vírus depende muito mais do que simplesmente sua capacidade de sobreviver no ambiente. E é aí que a compreensão da sazonalidade das doenças se torna complicada. Para uma doença como o Covid-19, são as pessoas que estão disseminando o vírus e, portanto, mudanças sazonais sobre o comportamento humano também podem levar a mudanças nas taxas de infecção. Os casos de sarampo na Europa, por exemplo, tendem a coincidir com o período escolar, e diminuindo durante as férias - quando as crianças não estão transmitindo o vírus umas às outras. Também foi sugerido que a enorme migração de pessoas ao redor do Ano Novo Lunar da China, em 25 de janeiro, teve um papel fundamental na expansão do Covid-19 de Wuhan para outras cidades da China e do mundo. O clima também pode mexer com o próprio sistema imunológico, nos tornando mais vulneráveis ​​à infecções.

Existem evidências de que os níveis de vitamina D em nossos corpos podem afetar a vulnerabilidade à doenças infecciosas. No inverno, nosso corpo produz menos vitamina D, devido ao decréscimo na exposição à luz solar, principalmente porque passamos mais tempo em ambientes fechados e nos envolvemos em roupas contra o ar frio. Mas alguns estudos sérios e bem conduzidos demonstram ser improvável que essa teoria seja responsável isoladamente pela variação sazonal observada em doenças como a gripe. Mais controversa ainda é a discussão sobre a influência do frio enfraquecendo o nosso sistema imunológico; alguns estudos sugerem que sim, mas outros apontam o aposto, de que o frio aumenta a nossa resistência imunológica, aumentando o número das células que defendem nosso corpo contra infecções.

Há evidências mais fortes, no entanto, de que a umidade pode ter um impacto maior na nossa vulnerabilidade à doenças. Quando o ar está particularmente seco, reduz-se a quantidade de muco que reveste nossos pulmões e vias aéreas. Essa secreção pegajosa forma uma defesa natural contra infecções; e, com menos muco, estaremos naturalmente mais vulneráveis ​​aos vírus. Estudo todas essas variáveis e suas correlações. Muitas destas variáveis apresentam forte correlação entre si, e isso interfere em uma regressão linear múltipla, e muitas vezes escondendo as correlações mais fortes quando vistas de forma global.

Minhas investigações sobre os dados disponíveis, resultado de um trabalho em graduação avançada em Estatística e Ciência e Análise de Dados pelo MIT, apontam para uma correlação muito acentuada com a densidade populacional, seguida pela umidade, e finalmente pelo clima. Minhas observações e modelos se encaixam perfeitamente ao quadro observado para o SARS-CoV-2.

Um estudo intrigante levado à cabo por cientistas chineses, sugere que existe algum tipo de relação entre o quão mortal o Covid-19 pode ser e as condições climáticas. Eles analisaram quase 2.300 mortes em Wuhan, China, e as compararam com os níveis de umidade, temperatura e poluição no dia em que ocorreram. Isso nos leva ao tema do MUCO... Embora ainda não tenha sido publicado em uma revista acadêmica, suas pesquisas sugerem que as taxas de contaminação eram mais baixas nos dias em que os níveis de umidade e temperatura eram mais altos. Também sugere que, nos dias em que as faixas de temperatura máxima e mínima eram maiores, havia níveis mais altos de contaminação. Esse trabalho esta baseado em modelagem computacional, de modo que somente dados muito confiáveis, colhidos com a frequência adequada, e em grande número, poderão aproximar o modelo da realidade.

Portanto, o desafio de prover um PROGNÓSTICO CONFIÁVEL sobre o comportamento deste vírus ainda será muitas vezes revisitado; sendo a Biologia, apoiada pela Ciência de Dados, o ambiente seguro e de onde emerge o conhecimento necessário para este sério embate que une todo o globo. Como o vírus que causa a pandemia do Covid-19 é novo, é improvável que muitas pessoas, se houver alguma, tenham imunidade contra ele; isso, até que tenham sido infectadas e se recuperem com facilidade e naturalmente. Isso significa que o vírus se espalhará, infectará e causará doenças de maneira bem diferente dos vírus endêmicos.

Na verdade, estamos diante de quadros dramáticos vividos no passado, como a Gripe Espanhola, a Peste negra e congeneres; deitando centenas de milhões de vidas pelo caminho, em função da falta de conhecimento biológico e recursos computacionais, assim como estratégias imunológicas e anti-epidemiológicas, conhecimento em infectologia viral e terapias científicas de combate e luta pela vida.

Um estudo publicado na Nature pelo Imperial College of London, onde também estudei, fez a predição de mais de 40 milhões de mortos pelo Covid-19 sem as medidas de isolamento e barreiras epidemiológicas; mas dificilmente escaparemos adicionar mais de seis dígitos ao número de mortos. 

As viagens aéreas têm sido a principal rota pela qual o vírus se espalhou pelo mundo tão rapidamente, diz Vittoria Colizza, diretora de pesquisa do Instituto Francês de Saúde e Pesquisa Médica. Mas uma vez que começa a se espalhar dentro de uma comunidade, é o contato próximo entre as pessoas que dirigem a transmissão. Interromper o contato entre as pessoas também deve reduzir as taxas de infecção. É exatamente isso que muitos governos tentam fazer com o crescente bloqueio de locais públicos em todo o mundo. "Ainda não há evidências para um comportamento sazonal do Covid-19", assevera Colizza. "O componente comportamental também pode desempenhar um importante papel." Mas ela alerta que é muito cedo para saber se as medidas adotadas serão suficientes para impedir a propagação do vírus, e se "Por si só, poderá reduzir parcialmente a contagiosidade efetiva devido à redução dos contatos ao longo dos quais a doença pode ser transmitida."

E os casos do Covid-19 podem aumentar nos próximos meses, sobretudo por decisões políticas equivocadas, como do presidente Trump - que já voltou atrás em função dos caixões lacrados -, e de Bolsonaro - cuja teimosia obtusa persiste; também enfrentaremos falhas nas medidas de prevenção, isolamento e bloqueios. Também poderemos experimentar um cenário de imunidade crescente na população, como efeito da sazonalidade, como sugerem os modelos. Se houver um efeito sazonal, isso ainda poderá mascarar a correlação com as demais variáveis, como a demografia.

Em países onde um forte bloqueio mitigou a contaminação, não seria surpresa alguma se uma nova onda, o efeito rebote, eclodisse no outono e no inverno... e surpreendendo com a força de um tsunami epidemiológico. Mesmo que o Covid-19 mostre alguma variabilidade sazonal, é improvável que desapareça inteiramente durante os meses de verão, como alguns sugeriram. Mas, uma queda nos casos pode trazer muitos benefícios, ou até mesmo representar um divisor de águas. As medidas que estamos tomando para nivelar a curva são custosas, em termos econômicos, da economia doméstica ao panorama macroeconômico; mas podem nos ajudar a levar essa pandemia para o verão no hemisfério norte; no sul, as medidas terão um caráter preventivo, e ainda mais relevante.

Se houver alguma sazonalidade, sendo esse o cenário mais provável, achatar a curva ajudará os sistemas de saúde do mundo inteiro a lutar contra o tempo e suas limitações. É hora de FORÇOSAMENTE, DISPONIBILIZAR MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE. E em um mundo que luta para lidar com o número cada vez maior de casos, pode ser esse o tempo que precisamos... desesperadamente. 

Conhecimento salva vida, ignorância mata... mesmo com boa vontade. 
A economia pode ser ressuscitada, mortos não - nem hoje, nem nunca... 
Fantasias à parte, e esqueçam discursos políticos populistas, 
TODA VIDA É IMPORTANTE... 
Cada pessoa da sua família, de sua lista de contatos, cada pessoa de minha família... 
Não façamos apostas com a vida humana... 

Em resposta ao presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, na mesma linha que o inóbil presidente Jair Bolsonaro, quando declarou que "a vida não tem valor infinito", eu lhe pergunto: QUANTO VALE A VIDA DE SEU FILHO? E A SUA? O seu plano médico cobre tratamento no Sírio-Libanês e no Einstein... e brasileiro recorrerá ao SUS com seus entes queridos nos braços e sufocando... "Muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida tem valor infinito. O vírus tem que ser balanceado com a atividade econômica"... Absurdo, terrível... 

Mas pode piorar, e piora com Bolsonaro, declarando em cadeia nacional, do alto do cargo que ocupa, que essa pandemia perigosíssima não passa de uma “gripezinha”. Sua ignorância galopante ainda acredita em mortos de frio... Mas como? Congelamento? Ninguém no Ministério da Saúde explicou ao presidente que gripe é causada por vírus, e jamais por firo? Mas ele sempre se supera: “Alguns vão morrer? Vão! Fazer o que, é da vida…”. Vão morrer agonizando sem atendimento, e o número no Brasil pode chegar a seis dígitos... E Bolsonaro frequente o Sírio-Libanês. 

Tudo isso é verdade, assim como é verdade que o PT, comandado por psicopatas, e chefiado por Lula, dilapidou a economia, e preferiu "estádios" do que "hospitais". Mas e daí? Isso torna as declarações de Bolsonaro sobre a pandemia legitimas? Jamais... Trata-se de uma falácia retórica e intelectiva, o Non Sequitur, ou "não se segue". Verdades ou meias-verdades são alinhadas para criar a falsa ideia de que uma coisa justifica a outra. E antes que o maniqueísmo seja tentando, declaro que votei em Bolsonaro... e mais: VOTARIA OUTRA VEZ! Por quê? Porque lutei contra um mal AINDA maior. Foi necessário utilizar o meu voto para encarcerar um perigoso psicopata, um cleptocrata, um autocrata, para empossar um IMBECIL... Mas um imbecil transparente, e que respeita os poderes - até aqui. É claro que seria muito pior com Lula, roubando em plena crise... Mas isso não desliga a minha honestidade intelectual e análise crítica.

Parafraseando Keynes, quando interpelado por um repórter sobre a quinada e o distanciamento em relação ao comunismo, o célebre economista disse algo como: QUANDO OS FATOS MUDAM EU MUDO DE OPINIÃO... E O SENHOR, O QUE FAZ? Bom, eu não estive engado sobre as limitações de Bolsonaro e o risco que ele TAMBÉM representa, mas não tive uma terceira escolha no segundo turno. Preferi a quimioterapia ao câncer, e agora preciso cuidar dos efeitos colaterais. Mas finalmente, que indicar o uso constante de mais uma falácia: O TERCEIRO EXCLUÍDO... Só existe duas alternativas, ser Lulista ou Bolsonarista... ser livre-pensante, e honesto intelectualmente está fora de questão? Não posso desejar que Lula apodreça na cadeia e que Bolsonaro deixe de vomitar asneiras que podem custar vidas? E tem mais, Lula é um psicopata como Trump, Putin, Berlusconi, Fidel, Edir Macedo, Malafaia, Feliciano e congeneres... Bolsonaro não! Bolsonaro é apenas fraco, ignorante, crente, limitado... maniqueísta, portando inteiramente míope. Mas se ajoelha diante de um psicopata, pede a benção à outro, e é uma caricatura de um terceiro... Assim que, mesmo que a corrupção não seja o seu pecado, e não é, ele anda em péssima companhia; e definitivamente não está minimamente preparado para dirigir um país. Espero que tenhamos candidatos mais competentes no futuro, onde honestidade será apenas um pré-requisito, conforme previsto em lei: a Ficha Limpa.   

Carlos Sherman


URGENTE COVID-19: SEM ISOLAMENTO TERÍAMOS 40 MILHÕES DE MORTOS



Segundo publicação da prestigiosa organização de divulgação científica, a NATURE, o Covid-19 poderia ter matado 40 milhões de seres humanos sem a resposta global emergencial contra a propagação da pandemia.
90% da população do mundo poderia ter sido infectada, e 40,6 milhões de pessoas poderiam ter vindo à óbito, se não fossem adotadas medidas de mitigação para combatê-la, segundo estimativas de um respeitado grupo de especialistas em modelos analíticos e estatísticos do Imperial College de Londres - onde também tive o prazer de estudar.
O relatório "COVID-19 Response Team" do Imperial College, publicado em 26 de março, destaca a importância de agir cedo para suprimir o surto. A análise diz que a introdução de distanciamento social, teste e isolamento de pessoas infectadas reduziria as mortes em todo o mundo para 1,9 milhão, se realizada quando a taxa de mortalidade de cada país é de 0,2 por 100.000 pessoas por semana. A implementação dessas medidas somente quando a taxa de mortalidade chega a 1,6 por 100.000 pessoas por semana leva a 10,5 milhões de vidas perdidas em todo o mundo, segundo ele.
Ainda, e de acordo com a análise da Nature sobre as taxas de mortalidade, "Our World in Data", contando todos os dias no centro de uma janela semanal de mortes, a Itália atingiu o limite de 0,2 entre 2 a 3 de março, o Reino Unido em 17 de março e os Estados Unidos em 22 de março.
O relatório não quantificou o impacto social e econômico de tais políticas.
A análise foi publicada no mesmo dia em que o primeiro-ministro do Reino Unido Boris Johnson e o ministro da saúde do país, Matt Hancock, testaram positivo para o coronavírus. Em um vídeo em cadeia nacional, Johnson disse que tinha apenas sintomas leves e continuaria a trabalhar remotamente enquanto se isolava por 7 dias.
O número de casos confirmados de COVID-19 em todo o mundo ultrapassou 500.000 em 26 de março, segundo estatísticas compiladas pelo Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland. Atualmente, a pandemia abrange 175 países e todos os continentes habitados.
Até o final do dia 26 de março, os Estados Unidos haviam ultrapassado a China pelo maior número de casos confirmados. A Itália também está pronta para superar a China nos próximos dias. A Itália e a Espanha agora têm os dois maiores números de mortos, com a Itália respondendo por mais de um terço do total global.
O COVID-19 matou quase 23.000 pessoas. Mais de 120.000 se recuperaram da doença.
NÃO CÚMPLICES DE UM HUMANICÍDIO, POR IGNORÂNCIA...
Ignorância mata, e mata muito, ao longo de toda a história. Conhecimento salva vidas. Não pense que a sua irresponsabilidade veiculando mentiras, o minimizando esta pandemia, não contribui para o alastramento deste mal. A contaminação viral da ignorância não pode ser detida. Se está em isolamento, e agradeço, seja coerente em suas publicações.
Não existem mitos, e a natureza vive demonstrando isso. Sem Ciência a mortalidade seria como em outros tempos... vitoriosa. Estamos diante de uma quebra de paradigmas, com muitas lições a serem aprendidas enquanto a Ciência trabalha, os dados são computados, os modelos funcionam, a Biologia Molecular avança... os hospitais estão abertos, e as igrejas fechadas.
Seja honesto quanto ao combate contra a corrupção, mas seja honesto em seus conceitos e palavras... alinhando o que pensa, diz e faz. Seja íntegro, ético, ao apenas pense um pouco mais.
Sigam as orientações, salve sua vida, e não leve o vírus para a sua casa, nem para a minha... Podemos ressuscitar a economia, mas nunca foi e nunca será possível ressuscitar os mortos. A vida é o maior patrimônio, e cada vida importa.
Carlos Sherman

quinta-feira, 26 de março de 2020

Conhecimento, um ato de amor...




Excerto de EVA - AS ORIGENS DA MISOGINÍA (SHERMAN; 2011)

As velhas crenças teológicas, quando pareciam debilitadas pela razão, em pleno século XVIII, reapareciam sempre que uma possibilidade sobrenatural se acercava. A varíola foi uma destas oportunidades para a ignorância religiosa desfilar o círio, e desatando uma tempestade de protestos teológicos contra a razão.

Um clérigo anglicano publicou um sermão onde afirmava que, assim como “as pústulas de Jó eram devidas à inoculação do diabo, assim havia sucedido com a crescente epidemia de varíola”. Vários ministros eclesiásticos escoceses publicaram manifestos contra a Ciência Médica, e em especial contra a recente descoberta da circulação sanguínea, os estudos de anatomia, fisiologia, etc. – assim como o estudo de células-tronco em nossos dias; afirmando que estávamos “tratando de desafiar o julgamento de deus” – sobre quem deve ou não deve morrer.

Mas a varíola responderia a toda esta carolice com mais e mais mortes. Quanto mais oravam e praguejavam contra a Ciência, mais mortos. Os terrores teológicos foram acalmados pelo terror imposto pela realidade da morte. A controvérsia parecia declinar, quando foi descoberta a VACINA. Os clérigos de todas as facções da cristandade afirmavam em uníssono que:

[A vacina era um] insolente desafio aos céus, e à VONTADE DE DEUS.

Em Cambridge e na Sorbonne, universitários cristãos unidos, pronunciaram sermões, opondo-se à VACINA. O mais grave sucedeu quando, em 1885, e já no século XIX, houve um disparo no número de casos da doença em Montreal, Canadá, e a parte católica da população repudiou a vacinação. Um sacerdote católico declarou que:

Se estamos afligidos pela varíola é porque comemoramos o carnaval no último inverno, festejando a carne e ofendendo ao Senhor.
  
As mortes vieram sem trégua sobre os católicos, e deus, por alguma misteriosa razão, pouparia apenas àqueles que foram vacinados.

Os Padres Oblatos, cuja igreja estava situada no coração do distrito infestado, seguiram denunciando a vacina; foi exortado aos fiéis para que se dedicassem a diversos tipos de devoção; com a permissão das autoridades eclesiásticas, foi ordenada uma grande procissão com um solene chamamento à Virgem, e foi cuidadosamente especificado o uso do rosário. (White; op. cit., v.II, p.60)

Pobres fiéis, todos aniquilados pela varíola, perla ignorância, ou pela fé na divindade equivocada? O mesmo sucederia com o advento da descoberta dos afeitos anestésicos do clorofórmio pelo médico escocês Sir James Young Simpson (1811—1870). Simpson, em 1847, recomendou o uso no parto, ao que o clero lhe respondeu com Gênesis [3:16]:

E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. - Gênesis [3:16]

Simpson, no entanto, logrou aprovar os anestésicos para os homens, salientando que deus anestesiou Adão, “adormecendo-o, antes de extrair sua costela”.

Sim, precisamos abolir tudo isso, o corão, a torá, o velho e o novo testamento, a RELIGIÃO; para vivermos melhor, com mais saúde, paz, e em verdadeira harmonia. E não seremos capazes da fazê-lo se não pudermos entender e combater o primeiro fundamento contido em tais livros, i.e., o enaltecimento da ignorância pelo repúdio à razão, ao entendimento, ao conhecimento REAL, factual, Científico. E a subsequente glorificação da submissão, da servidão, do conceito de “manada”.

Não seremos capazes de abolir tais livros se não pudermos entender antes a clara sentença de morte à consciência e àqueles que a conservam: os “hereges”. E não poderemos dar este passo, se não pudermos constatar também o preconceito, o sectarismo, o racismo, a pulsão de MORTE, e o regozijo pela morte, contido em tais mensagens apologéticas.

Carlos Sherman