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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

'O Caminho, a Verdade, e a Luz'...



"Quase morte" é um conceito adequado mas ao mesmo tempo 'capcioso'... Adequado porque efetivamente 'ainda' não houve morte... Capcioso porque para aqueles que sugerem que a "experiência de quase morte" é um vislumbre da "pós vida" ou da "vida depois da morte"; então vale reeditar que 'ainda' não houve morte... Aliás, não precisamos nem sequer correr perigo de vida para experimentar os ditos sintomas da "quase morte"...

O aproach fantasioso e esotérico do fenômeno eclodiu em 1975, com a publicação sensacionalista de "A Vida Depois da Vida", de Raymond Moody - um 'pseudo-filósofo' esotérico, que também se dizia "parapsicólogo", e que logrou 'a posteriori' dois discutíveis títulos de "doutor", sendo um em Psicologia e outro em Medicina, mesmo sem nunca ter frequentado uma faculdade de Medicina... Moody reside, por 'mera' coincidência, no fantasioso mundo de Las Vegas... 

No livro de Moody, que se tornou best seller entre os "esoteristas de plantão" e os ditos "espiritualistas" - e para aqueles que, como todos nós, temem a morte -, a "vida após a vida" se incia com: (1) a sensação de flutuar "e ver lá embaixo o próprio corpo", ou "experiência extra corpórea", ou ainda "experiência fora do corpo"; (2) a sensação de atravessar um túnel, um corredor, ou uma câmara em espiral, no fim dos quais frequentemente existe uma luz; (3) ou a sensação de visão ou presença de entes queridos - que já morreram - ou de figuras divinas...

Um 'verdadeiro médico', o Dr. James Whinnery, chegou às mesmas evidências mas por outro caminho... Whinnery foi contrato pela Força Aérea Norte Americana para dirigir os treinamentos para os pilotos de caça... Desde o advento dos jatos e caças, os pilotos apresentaram problemas de perda súbita da consciência quando submetidos à força 'g', fenômeno conhecido como G-LOC; além de relatos de experiências místicas - quando sobreviviam para contar... Na centrífuga do Naval Air Walfare Center, na Pensilvânia, as experiências de "quase morte" foram simuladas por Whinnery e finalmente esclarecidas... 

Whinnery descobriu um fenômeno notável, a quase totalidade dos pilotos submetidos aos testes experimentaram o 'efeito túnel', acompanhado da 'visão de uma luz', e a sensação de 'flutuar acima do próprio corpo', além de experiências místicas - dependendo do grau de religiosidade -, e quase sempre experimentando uma indescritível sensação de euforia, paz e serenidade, no retorno à consciência... Parece familiar???

Whinnery foi capaz de induzir tais sensações mais de mil vezes, em 16 anos de pesquisa e estudos controlados em uma centrífuga, e registrou tais experimentos em filmes... Observou o momento exato em que os pilotos perdiam a consciência, não deixando dúvidas sobre as causas de tal fenômeno: a HIPOXIA...

Sob a pressão exercida pela força 'g' o 'sangue escoa da cabeça em direção ao centro do torso', explica Whinnery... Tudo isso em uma questão de segundos... Quando o experimento era procedido de maneira gradual, pela aceleração constante da centrífuga, o sujeito experimentava primeiro a sensação de túnel, depois a luz, a cegueira, e o desmaio; fenômeno este causado pela perda de oxigênio na retina, seguindo o trajeto em efeito cascata até o córtex visual, produzindo o 'efeito túnel', à medida que os neurônios vão se fechando de fora pra dentro... 

Outro médico e neurocientista - este também de verdade -, o Dr. Comings, observa que: 'a sensação de paz e serenidade provavelmente é gerada pela liberação de vários neurotransmissores, como a endorfina, serotonina e dopaminas (..) as experiências de quase morte provam apenas que, quando o cérebro é privado de oxigênio por períodos prolongados, imediatamente antes do dano cerebral ocorrer, desencadeia uma série de eventos neurofisiológicos que caracterizam a experiência descrita como de "quase morte"'... Só isso... Experiências “sobrenaturais” de quase morte são na verdade truques da mente...

Em 2001, o jornal britânico Lancelot publicou o estudo do neurocientista holandês Pim Van Lommel, que analisou 344 casos de pacientes cardíacos que passaram por procedimentos de 'reanimação cardiopulmonar' - lembrando que morte precisa ser cerebral - , sendo que 12% deste grupo relatou experiências de "quase morte", e em alguns casos relatos de encontros com "parentes mortos"... O doutor Mark Crispin, médico da emergência em um hospital em Portland, Oregon, analisou o eletrocardiograma de pacientes com parada cardíaca, e dados como "mortos", concluindo que na verdade "o que eles mostraram foi uma diminuição, uma atenuação" na atividade cardíaca, e que "somente uma minoria experimentou uma parada cardíaca por mais de 10 segundos"... Na verdade, de acordo com a ciência médica - e forense -  "ninguém teve morte clínica", ressalta Crispin, pontuando que "nenhum médico deve declarar morto um paciente num código 99. Ter uma parada cardíaca no intervalo de 2 a 10 minutos e ser prontamente reanimado não torna uma pessoa 'clinicamente morta'. Significa que o seu coração - neste intervalo [grifo meu] - não está batendo e que a pessoa pode não estar consciente"... Como o cérebro opera confiando nos estímulos externos relativos à nossa cognição, quando uma parte deste complexo gera um quadro ilusório, outra parte do cérebro - provavelmente o hemisfério esquerdo - pode interpretar tais ilusões como um acontecimento REAL, externo, e captado regularmente por nossa cognição...

Com diferentes nuances e por diferentes motivos, e até mesmo em função de neuropatologias, todo processo supranormal ou paranormal, pode ser resumido por este fenômeno... As nossas vias cognitivas estão embotadas, uma ou muitas partes do nosso cérebro codificam ilusões, enquanto outra parte ainda consciente trata de considerá-las parte inexorável da realidade...

Drogas alucinógenas como a atropina e outros alcaloides  - provenientes da beladona, mandrágora, e na Datura stramonium (ou estramônio) - também desencadeiam estas experiências ditas "sobrenaturais", como a sensação de flutuar fora do corpo... Feiticeiras eurasianas e xamãs americanos também utilizavam estes 'recursos' para suas viagens 'extra-corpóreas'... Não verdade os seus pés ficavam bem plantados na terra, enquanto suas mentes entorpecidas vivenciavam um estado ilusório... 

Anestésicos dissociativos, que promovem a depressão da função neuronal no sistemaneurocorticotalâmico (dissociação) e dos neurônios nociceptivos (analgesia), também induzem as ditas viagens "corpo-astral"... Os anestésicos dissociativos promovem um estado de catalepsia, onde estará presente o aumento do tônus muscular, manutenção dos reflexos protetores e permanência dos olhos abertos... As cetaminas são o maior grupo representante dessa categoria... A ingestão da metilenodioxianfetamina (MSA) pode ativar lembranças antigas e produzir a sensação ilusória de 'regressão'... A dimetiltriptamina (DMT) - também conhecida como "molécula do espírito" -, muito utilizada pelos xamãs sul-americanos com o nome de ayahusca, causa a sensação ilusória de dissociação entre "a mente e o corpo", tipificando relatos como "eu estou fora do meu corpo", "eu já não tenho um corpo", "estou flutuando", "estou voando", "estou subindo"... 

Tais viagens, ditas "espirituais" ou de "consciência intensificada", quando comparadas com a operação normal ou racional do cérebro, não deixam dúvidas de que drogas psicodélicas como o DMT são capazes de produzir a sensação de "contato" como o sobrenatural ou com seres inumanos... Pessoas inteligentes e sofisticadas submetidas a testes, e mesmo sabendo que estas sensações são induzidas por drogas, não foram capazes de discernir entre fantasia e realidade... O gravador emocional do sistema límbico, localizado nos lobos temporais, pode ser engando por estas drogas ou em caso de neuropatologias, não conseguindo distinguir acontecimentos reais, gerados por experiência reais, produzidas externamente, de experiências irreais, ilusórias, geradas internamente...  

Um grupo de psicólogos formados por membros da Universidade de Edimburgo e de Cambridge, publicaram um recentemente estudo no jornal Trends in Cognitive Sciences, onde o 'fenômeno' também foi explicado... O título do texto foi 'There is nothing paranormal about near-death experiences: how neuroscience can explain seeing bright lights, meeting the dead, or being convinced you are one of them', i.e., 'Não há nada de paranormal em experiências de quase morte: como a neurociência explica luzes brilhantes, encontro com mortos e o fato de você se convencer de que é um deles'...
    
Os pesquisadores analisaram os mesmos fenômenos - efeito túnel, luz, e encontros com parentes mortos - e concluíram que tais  sintomas 'estão bem longe de um vislumbre da vida após a morte. Na verdade, são truques da mente e têm uma base biológica.'...

As experiências de "quase morte" são relatadas em todas as culturas, desde a Grécia Antiga... 'De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup, cerca de 3% dos americanos já passou por algo similar'... Para os pesquisadores, isso pode ser provocado pela tentativa do cérebro de dar sentido às sensações e percepções incomuns que ocorrem durante um evento traumático...

Além da HIPOXIA, e do caos bioquímico causado pela liberação de neurotransmissores, outro responsável por tais delírios é a noradrenalina, liberado no mesencéfalo, e que, quando acionada, pode evocar emoções positivas, excitação, alucinações e outras características da experiência de "quase morte", como o encontro com entes queridos...

Mais uma vez fica claro que fenômenos "esotéricos" são na verdade bem 'terrenos'... No caso da experiência de "quase morte", a HIPOXIA e suas decorrências bioquímicas são 'o caminho, a verdade, e a luz', sem direito a subterfúgios... No caso do senhor Raymond Moody, o problema pode estar nos lobos temporais ou  nos lobos parietais, como veremos em outro post... No caso de seus ávidos leitores, a explicação pode estar na cultura da 'crença na crença'... Parafraseando Shermer: 'primeiro acreditamos por motivo torpe - ou neurofisiológico [grifo meu] -, e depois procuramos razões para sustentar tal crença'... Temo que a grande maioria dos leitores de absurdos esotéricos também mereçam uma revisão de seus lobos temporais e parietais, córtex cingulado, e parte anterior dos lobos frontais...



Vida longa à Ressonância Magnética!!!

Carlos Sherman  


  


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