Pesquisar este blog

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Heideggerismo




Heideggerismo
O Risco dos Imperativos Categóricos e o Fascismo

Para Jenifer Alves Pereira

“O que nos incita a olhar uma metade dos filósofos com desconfiança e a outra metade com ironia, não é o fato de percebemos como são ingênuos, nem como erram e se enganam com facilidade e freqüentemente. Não é também sua infantilidade e leviandade que nos chocam, mas a falta de honestidade com que fazem grande alarde de sua virtuosidade, quando se questiona, ainda que superficialmente, o problema de sua sinceridade. Todos fingem ter descoberto e alcançado suas verdadeiras opiniões pelo desenvolvimento de uma dialética pura, fria e impassível, distinguindo-se dos místicos que, mais honestos e menos hábeis, falam de ‘inspiração’. No fundo, sustentam, com argumentos posteriores, uma tese antecipada, uma afirmação arbitrária, provenientes de um capricho, de uma intuição ou de um desejo íntimo e abstrato. Defendem com astúcia e de modo rebuscado os próprios conceitos, empíricos, que batizam de ‘verdades’. Estão muito longe da intrepidez da consciência que confessa a si mesma sua mentira, e muito distantes do valor que se deseja ouvir, seja para advertir um amigo, colocar em guarda o inimigo, ou para ridicularizar a si mesmo. A hipocrisia ríspida e virtuosa com a qual o velho Kant nos leva pelas tortuosas veredas de sua dialética, para nos induzir a aceitar seu imperativo categórico, é um espetáculo que nos faz sorrir e sentir o imenso prazer de descobrir as pequenas e maliciosas sutilezas dos velhos moralistas e dos pregadores da moral. Somemos a isso a charlatanice, pretensamente matemática, com que Espinosa mascara sua filosofia, ou seja, o amor à sua sabedoria, para interpretá-la como lhe convém e assim intimidar, desde logo, a audácia do atacante que tivesse o atrevimento de levantar os olhos para esta virgem invencível, verdadeira Palas Atena. Quanta timidez e vulnerabilidade revela este disfarce de um doente solitário!” - Friederich Nietzsche (‘Além do Bem e do Mal’; Cap.1, Prop.5; 2006)

"A Filosofia não consistiria afinal em fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora? Ela duvida da existência, mas fala seriamente do ‘Universo’." - Paul Valéry (‘O Homem e a Concha’)



Um preâmbulo se interpõe em minha reflexão, sempre que um debate dito ‘filosófico’ se apresenta: qualquer debate filosófico estará fadado à mais completa perda de tempo se não houverem sólidos pressupostos neurocientíficos, neurofisiológicos, sociobiológicos e evolucionários, sobre a mesa. Assim como o debate metafísico – ou sobre o que estaria ou não acima da realidade física -, quando produzido a partir do mais profundo desconhecimento sobre o universo ‘físico’, estará destinado a estabelecer questões risíveis, descabidas e quase infantis. A Metafísica é, pois, um bom lote de questões mal colocadas – assim como a Fenomenologia...

Não se preocupem, tratarei de suportar o corolário acima como bons argumentos; mas o tema aqui é Heidegger... Ou não? Ou deveríamos tratar primeiramente de Husserl, de Brentano, de Marx, Hegel, Kant, Platão, Pitágoras? Ou deveríamos tratar dos ‘imperativos’ categóricos que insuflaram diferentes formas de fascismos? Ou deveríamos começar pela adesão e participação do ‘célebre filósofo’ [sic], “talvez o maior do século XX” – segundo Inwood do Trinity College –, ao nazismo de Hitler? 
Comecemos por Inwood, e sua predileção devota por Heidegger:
“De 1916 a 1927 ele nada publicou, mas estudou intensamente, especialmente a fenomenologia de Husserl, a antropologia filosófica de Scheler, a hermenêutica de Dilthey, e os textos de São Paulo, Agostinho, Lutero. Texto cristãos supriram-no não apenas com exemplos de decisões momentosas, históricas [...] mas também como uma ontologia distinta da nossa, de derivação grega. Ao mesmo tempo fez conferências, com brilho cativante, sobre esses e muitos outros temas.”
De fato: todos os seus escritos estão baseados em conferências; e talvez a monotonia enfadonha e verborrágica de tais textos seja devida, precisamente, à escolha dos temas. Heidegger segue uma linhagem de equívocos obscuros e insondáveis, mas que trataremos de deixar a descoberto. Inwood deixa claro que Heidegger andou em má companhia filosófica, e se equivoca quando considera textos “cristãos” como distintos dos “gregos”; Aristóteles foi lido em igrejas, e a ‘filosofia’ grega dominante, ‘uma ode à perfeição’, e baseada apenas em sua autoridade, foi batizada pela cristandade, subsidiando o pensamento agostiniano e aquiniano... Segundo o arcebispo e teólogo Giles de Roma (nascido Egidio Colonna), considerado pela igreja católica como um Doctor Fundatissimus [Doutor Fundamentado], especialista em Aristóteles (tendo comentado o ‘Organon’):
“[...] haviam até igrejas em que se lia a ‘Ética’ de Aristóteles todas as manhãs de domingo em vez do Evangelho.”
Então devemos desconfiar - e o faremos - da ‘celebridade’ de Heidegger. O jovem Martin foi criado em uma zona rural alemã orgulhosa de sua tradição ultranacionalista, e pertenceu a uma família fervorosamente católica, tendo optado prematuramente pela carreira paroquial, estudando e ensinando teologia. Após o que ele mesmo chama de “profunda queda”, Heidegger transfere a sua busca pela “salvação” da religião para a filosofia. Husserl, o criador da Fenomenologia, assume o papel de mestre e mentor de Heidegger; ‘Ser e Tempo [Sein und Zeit]’ é o resultado desta notória devoção.

Husserl era judeu por etnia, mas cristão católico por batismo e fervor. Quando o nazismo irrompe, e com a perseguição aos judeus entre os anos 20 e 30, Husserl demite-se da cátedra de professor em Freiburg, e Heidegger está lá para ocupar o posto. A coisa esquenta em 1933 com a ascensão de Hitler ao poder, e o reitor da universidade, crítico ferrenho de Hitler, se demite do cargo; Heidegger está lá, e desta vez filiado  (de 1933 a 1945) ao partido nazista – ou nacional-socialista. 

Como novas medidas Heidegger passa a declarar que a sua doutrina foi escrita sobre as ruínas deixadas pela “destruição dos escritos neo-kantistas” de Husserl, baseada na elevação das entidades abstratas e tão cultuadas pelos antigos. Mas Heidegger faz o mesmo, debruçando-se sobre o mesmo idealismo de outrora, para dizer que ‘o’ problema da humanidade – ou “dasein”, como prefere denominar em seus ‘koans’ [sic] – “reside em ser ela dotada de seu vir a ser”. Como ir do nada a lugar algum sem se despentear e nem perder a pose...

Heidegger reedita o ‘Ser...’ retirando a dedicatória de Husserl; passa a discursar – entusiasticamente – em apoio ao Fuhrer, e a partir de sua ‘filosofia: “[a doutrina que as universidades alemãs deveriam seguir até o fim seria] até o fim, uma dura luta no espírito do nacional-socialismo, que não se deixará calar por noções cristãs ou humanitárias.”

O ‘novo reitor’ denunciou professores judeus em cartas secretas à SS, que foram expulsos e presos – como Hermann Staudinger, Prêmio Nobel de Química; adotou a saudação nazista ao final de todas as aulas. O reitor, e “maior pensador do século”, se recusou a orientar estudantes judeus e passou a ostentar uma suástica na lapela.  Seu discurso de posse proclamava o ‘imperativo categórico’, neo-kantiano, neo-hegeliano, e neo-marxista, da “histórica missão espiritual do povo alemão”, enfatizando os ideias nazistas de “dedicação ao trabalho e ao serviço militar”, anunciando solenemente que “o mundo espiritual de um povo é a força da preservação mais profunda de seu controle sobre a terra e o sangue” - o sangue de outros... O terrível desprezo pela vida em favor do ‘estado’, do ‘ideário’, acreditando que  uma omelete futura justificaria um número infinito de ovos quebrados... Não é por acaso que, após a guerra, Heidegger fez apenas uma declaração sobre o Holocausto, quando o comparou com a indústria de alimentos, dizendo que, “em essência [essa não era] diferente da produção de cadáveres nas câmaras de gás e nos campos de extermínio [sendo ambos exemplos de] niilismo.”

O idealismo alemão marca, sobretudo, o ranço da tardia inclusão do Império Russo e Austro-Húngaro, à festa das nações europeias... Este é o fato histórico e filosófico a ser considerado. Desde ponto em diante, e órfãos de um messias morto – por Nietzsche -, nos dedicamos à tarefa de declarar o mundo ‘sob nova direção’. Detentores de bolas de cristais ressuscitando o besteirol pitagórico-platônico-aristotélico utópico, e seus sincretismos de ocasião, kantianos, hegelianos, marxianos, husserlianos e agora heideggerianos... A essência do fascismo, um líder, um fuhrer, e seus desígnios épicos, travestidos ora de tirania estatal, ora étnica. E assim foi, e assim é. Heidegger não é mais do que um estafeta, um ‘leva-e-trás’ de todo este gótico e assassino burburinho.

Para transformar, antes, é necessário entender, e assim recordamos o meu preâmbulo. Como ir daqui pra lá, com a certeza de que a História está do nosso lado? Tal ideário não é mais do que uma nova crença. A mensagem messiânica, uma liturgia, um catecismo... um deus. A resposta tudo-ou-nada da proposta revolucionária é a mais arriscada, sempre... E como bem observou Mencken: 
 “O desejo de salvar a humanidade é quase sempre o disfarce para o desejo de controla-la.”
Revoluções, todas elas, são o pretexto para a brutalidade... E se você está pensando na Revolução Francesa como contra-exemplo, esqueça... Terminamos em carnificina banal, e com um ditador ainda mais tirânico no poder: Napoleão Bonaparte, inspiração para Hitler.

O passado é uma espécie de ‘terra do nunca’, e a grande vantagem das ideologias utópicas, é que nunca serão postas à prova. Uma espécie de ‘tênis sem rede’ é invocada sempre que associamos o marxismo ao comunismo, ou o heideggerismo ao nazismo, alegando que ‘o modelo não foi implementado em sua forma pura’. Será que não? Este tipo de desculpa muito se assemelha à dialética rabínica: a arte de sempre cair de pé.

Escutemos a Heidegger quando instrui com severidade aos alunos e funcionário de sua universidade:
“[...] o próprio Fuhrer, e só ele, é a realidade, presente e futura, da Alemanha, e sua lei.”
Essa é a essência do fascismo, seja ele travestido de ‘direita’ ou ‘esquerda’... E o reitor conclui citando a ‘República’ – igualmente fascista, embora frugal – de Platão:
“Tudo o que é grande enfrenta a tempestade.”
Belas palavras finais, terrível conteúdo, execrável atitude... Heidegger realmente acreditava que a ‘complexada’ Alemanha era a herdeira consorte das “elevadas tradições gregas”, sendo as línguas alemã e grega idiomas verdadeiramente “originais e inteligentes” (Cohen). Segundo sua doutrina, todas as línguas europeias haviam sido “latinizadas”, ou “corrompidas”. “Os gregos” – de forma absurdamente genérica, onde lê-se Pitágoras, Platão e Aristóteles - haviam alcançado o “sentido de Ser” – seja lá o que isso signifique - , e agora cabia aos alemães o desígnio messiânico de “erguer os destroços” da civilização ocidental para “ressuscitar a tradição”. Finalmente Heidegger afirmava que partilhava desta visão com o próprio Fuhrer...

Mais um imperativo categórico, a histórica, épica e “transcendente, luta pelo Ser”... O fascismo da supremacia racial - e seu homólogo rubro da terna luta de classes – não é mais do que um ledo engano. Heidegger alerta a todos, em seu rito filosófico, que a Alemanha, que os germânicos, estão no epicentro desta transformação:
“Fomos apanhados por uma tenaz tempestade. Situado no meio dela, nosso Volk experimenta a mais severa das pressões. É o Volk com o maior número de vizinhos e portanto o mais [...] ameaçado [...] e, com tudo isso, o Volk metafísico. Temos certeza desta missão. Mas o Volk só será capaz de perceber esse destino se no interior de si criar uma ressonância [...]  e assumir uma visão criativa de seu legado. Tudo isso implica que este Volk, como o Volk histórico, deve impulsionar a si mesmo, e com ele a História do Ocidente, para além do centro de seu futuro ‘acontecer’ e para o interior do reino primordial dos poderes do Ser.”
Assustador... Quanta certeza, quanta autoridade, quanta ‘viagem na maionese’? Tal declaração mais parece vir de Marshall Applewhite, líder do fanático grupo suicida ‘Portal do Paraíso’ [‘Heaven´s Gate’]. Não é simples transformar “a História do Ocidente” posto não ser estática e nem uma 'coisa' que possa ser agarrada e moldada. E até por que de onde vem a “certeza desta missão”, e tal “destino” foi determinado por quem ou por o quê? Tudo é muito vago - “[...] criar uma ressonância [...] assumir uma visão criativa [...]” -,  embora taxativo – “Tudo isso implica [...] impulsionar a si mesmo, e com ele a História do Ocidente, para além do centro de seu futuro” - e delirante - “[...] para além do reino primordial dos poderes do Ser.”... Isso é muito grave.

Trata-se de mais um psicótico, que assim como Marx e Freud, via a si mesmo como engendrado em uma missão transcendente e histórica, de recuperar a Terra das garras do racionalismo, da lógica e da Ciência... O nazismo apregoava a mesma ladainha, a de retornar à benfazeja “era de ouro”, para reencontrar a verdadeira consciência ‘greco-germânica’.

Em Novembro de 1933, Heidegger supera a si mesmo em seu discurso intitulado: ‘Bekenntnis zu Adolf Hitler und dem national-sozialistischen Staat’ – ou ‘Declaração de Fidelidade a Adolf Hitler e ao Estado nacional-socialista’. Pasmem vocês, mas o devoto heideggeriano François Fedier, supostamente ‘professor de filosofia’, tradutor e especialista em Heidegger, em 1988, traduziu o mesmo título como ‘Convocação de um Plebiscito Público para Decidir Sobre um Assunto de Estado’... E assim caminha a humanidade, de messias em messias, de fervor em fervor...
   
Quando Heidegger se refere a ‘Volk’, ele quer dizer ‘povo alemão’ ou ‘comunidade’, e o termo foi derivado da crença nazista num destino nacional e histórico, o ‘Volksgemeinschaft’ – ou ‘comunidade nacional alemã’. Isso implicava em atirar bem longe os “grilhões” do parlamentarismo, além de outros conceitos modernos de estado, supostamente “impostos ao povo alemão” por sabe-se lá quem. Só então o ‘reino ideal’ poderia ser criado, com laços raciais e sacrifícios de sangue [sic]...

Heidegger viaja ainda mais longe em seus devaneios, alegando que tal tarefa exige “autênticos heróis”, e glorificando ao soldado alemão Albert Leo Schlageter como um verdadeiro mártir – cuja execução era celebrada nacionalmente em todo dia 26 de Maio. Após 1933, Albert tornou-se um dos principais e mais explorados heróis do regime Nazista; Hans Johst, escreveu a peça "Schlageter", que abordava o "heroico" drama acerca dos fatídicos acontecimentos da história de Albert. A supracitada obra foi dedicada a Hitler em seu primeiro aniversário como ditador e detentor plenipotenciário, em 20 de Agosto de 1933, representando grandioso manifesto teatral do movimento Nazista; artifício explorado e propalado pelo Ministro da Propaganda e Cultura Joseph Goebbels. A representação teatral da vida de Schlageter baseada na obra de Johst, foi de tão impactante sucesso sobre o movimento Nazi que a mesma foi reapresentada – ao estilo ‘Cats’ - durante 12 anos, ou seja, até 1945.

O que Albert fez de tão espetacular para ser beatificado pelo nazismo? Albert praticou todo tipo de ato violento de que foi capaz, perpetrando atividades terroristas no Vale do Reno, após o armistício da Primeira Guerra. Ele foi preso e executado pelas autoridades francesas em 1923. Ele é louvado na primeira página de ‘Mein Kampf’ [‘Minha Luta’] de Hiter. 

Para Heidegger Albert era um modelo perfeito do ‘Dasein’ – ou ‘existência’... O ‘Ser’ ideal do ‘maior filósofo do século’ foi um terrorista. Em outro de seus discursos, Heidegger afirma que Albert morreu em uma época de “trevas, humilhação e traição [, mas prometendo que o seu sacrifício não seria em vão, e prometendo-lhe] um futuro despertar de honra e grandeza”. Instigando a emoção de sua plateia universitária, o reitor disse ainda que o herói “caminhou por este chão quando estudante. Mas Freiburg não podia retê-lo por muito tempo. Foi compelido a ir para o Báltico; foi compelido a ir para a Alta Silésia; foi compelido a ir ao Ruhr [...] Não lhe foi permitido escapar ao seu destino, para que pudesse morrer a mais difícil e grandiosa de todas as mortes, com uma férrea vontade e um coração límpido. ”

Afinal, um ‘Ser’ de tão destacado enlevo, um terrorista, é o protagonista ideal para um destino escatológico:
“Uma vez que se apreende a finitude da própria existência, essa nos arrebata da interminável multiplicidade de possibilidades que se oferecem como as mais próximas – aquelas ligadas ao conforto, à negligência e à indiferença em relação às coisas – e leva o Dasein para a simplicidade de seu destino. É assim que elegemos a historicização primordial do Dasein, que reside na resolução autêntica com que o Dasein toma as próprias rédeas, liberto para a morte, numa possibilidade que é ao mesmo tempo herdade e escolhida.” – Heidegger (‘Ser e Tempo’; 1927)
Sem comentários... Heidegger é mais um fenômeno de culto à personalidade; um contador de estórias verborragicamente enigmático, e uma plateia patética e ávida... Prestidigitação ideológica, filosofia circense... ‘Isso’ influenciará o seguinte passo em termos de sincretismo filosófico delirante: o existencialismo. O ‘existencialismo sartreano’ cultuará o “nada heideggeriano” do pós-guerra, ‘definido’ em sua obra ‘O que é a Metafísica?’ – uma questão que já respondemos acima:
 “[...] nós conhecemos o nada [...] o medo revela o nada [...]”
Putz! Meio sinistro, enigmático... ou cara-de-pau... Mas na verdade tais constructos não valem ‘nada’, e não vale e o seu e o nosso tempo. Entrevistado em 1966 pelo ‘Der Spiegel’, e ponderando sobre o embargo relativo à publicação de seus discursos até sua morte, o ‘ex-reitor’ explica que viu no nazismo “algo novo [...] um novo alvorecer”. Arrependeu-se, embora tardiamente, de considerar que “o Fuhrer, e somente ele [fosse] o governo de seu Ser” - como se aderir e hastear bandeiras para o nazismo fosse uma espécie de ‘desvio juvenil’ [sic]...

Heidegger, durante seu julgamento em 1945 por participação no nazismo, um erudito profissional que não era capaz de encadear duas sentenças sem introduzir duas dúzias de obscuridades, deflagrou uma rara sentença objetiva e inteligível: “em Abril fui eleito unanimemente como reitor [fora as abstenções]numa sessão plenária da universidade, e não, como afirmam os rumores, designado pelo ministro nacional-socialista”. Heidegger mentia, afinal recebeu também do ministro o título honorífico de “Fuhrer” da universidade. Seguiu dizendo que “nunca pertenci a um partido político”, e que a filiação ao partido nazista serviu ao “interesse da universidade”, sem explicar por que permaneceu no partido nazista por mais 11 anos após deixar a reitoria; também apresentou uma amnésia seletiva ao omitir a sua participação no racista, conservador, e ultranacionalista, grupo jovem “Gralbund”, responsável pelo slogan de que ingleses  e americanos eram “refugos germânicos”.

O ‘filósofo’ esclarece – ou quase isso: 
"[...] a ideologia nacional-socialista tornou-se cada vez mais inflexível e menos disposta a uma interpretação puramente [pigarro] filosófica, o fato de ser ativo como filósofo era, por si só, uma expressão suficiente de oposição."
Não, não cola... Que papinho furado, dá uma carteirada de “filósofo” e pronto, livre de todos os seus atos. Hannah Arendt, judia, trabalha para transformar Heidegger de algoz e delator de seus colegas ‘filósofos’ em vítima. E quase consegue:
“Havia pouco mais do que um nome, mas esse percorreu toda a Alemanha como o rumor do rei escondido. O rumor sobre Heidegger expressava isso de uma maneira bastante simples: o ato de pensar havia voltado à vida... Existe um professor, pode-se, talvez, aprender a pensar.”
E sua idolatria doentia segue a passos largos, e fazendo uma analogia piegas com Platão, que viajara a Siracusa para aconselhar seu governante tirânico, exagera na dose:
“Ora, todos sabemos que Heidegger, também, uma vez sucumbiu à tentação de mudar sua residência e envolver-se no mundo das atividades humanas.”
Como se Platão, e agora ‘ele’, seu mentor e professor, estivesse acima de mudaneidades... Não estava, e na verdade Hannah faltou com o compromisso ético da ‘isenção’; Arendt legislava em causa própria, e falava em defesa de seu 'amante'... Hannah, então com 18 anos, caiu de paixões pelo professor enfadonho, ininteligível, e casado, que a chamava - em sua correspondência - de “atrevida ninfa”. O “Ser” de Heidegger desejava ardentemente o “Ser” de Hannah, e mesmo como conquistador o ‘reitor’ não facilitava – dá-lhe circunlóquios:
“O que ninguém jamais percebe é como experimentar consigo mesmo e como, no que diz respeito a isso, todos os compromissos, técnicas, moralismos, escapismos e obstáculos ao próprio crescimento podem apenas inibir e distorcer a providencia do Ser.”
Já pensou receber ‘isso’ no dia dos namorados? Hannah se despede sempre com “um beijo na fronte e sem seus olhos”, ao que Heidegger sempre responde laconicamente: “seu”... Mas, se descontarmos a suspeita e ‘apaixonada’ defesa de Arendt, ainda deveríamos julgar o ‘filósofo’ por seus 'méritos filosóficos'. Devo incluir aqui uma menção à ‘atitude’ diante da vida, seja ela filosófica ou não, sem a qual poderemos suspeitar de que palavras não sejam mais do que palavras - com asseverados vícios de consentimento. Não estou centrando um ataque ‘Ad Hominem’ e sim conjecturando sobre a ‘coerência’ de um pensador em relação às teses que defende. É diferente dizer que um filósofo é ‘dentuço’, do que dizer que mente cabalmente em defesa de motivações obscuras. Se existem conflitos de interesse, e se este filósofo discursa em causa própria, ele deve ser denunciado - enquanto as características de sua dentição pouco importam.

Mas fiquemos então com a dita “filosofia de Heidegger”: “o eterno vir a ser”, “o problema do mundo”, solucionado – por exemplo - com o nazismo, enquanto, ainda era “flexível” [sic]... Deixemos que Heidegger concorde ou não, escutando solenemente o seu discurso de 11 de Novembro de 1933:
“[...] a revolução nacional-socialista não é simplesmente a tomada de poder existe do Estado por mais um partido que emergiu unicamente para esse propósito. ao contrário, essa revolução promove a completa subversão de nosso Daisen alemão.”
A mensagem está clara e ele segue, conjurando uma segunda fase, mais profunda e mundial, do nazismo...
“[...] com a transformação do próprio homem.”
Todos seremos 'alemães' perfeitos, e pronto! Está claro e límpido que seus estudos visavam suportar tal visão racista, totalitarista e messiânica, como herança do ideário pitagórico-platônico-aristotélico – que ele chamava de grego... Heidegger não se cansa de acusar o mundo ocidental de padecer de uma “doença metafísica”, que “colapsava suas democracias decadentes” (Cohen), diante da “grandeza interna do movimento Nacional-Socialista” (‘Introdução à Metafísica’; 1935, reeditado em 1852). Após 45, Heidegger vira a casaca, e passa a denunciar a enfermidade que corroeu o nazismo. Em sua ‘Carta Sobre o Humanismo’, o ‘filósofo’ articula o seu novo edifício de ideias, “sobre as ruínas do Terceiro Reich”, culpando o “Humanismo Ocidental” pelo nazismo.

E outros ‘jovens’ perdidos agarraram-se a esta montoeira de absurdos, como no caso de Derrida, para quem “Heidegger conseguiu libertar-se da Metafísica”, e “seguindo sua Kehre”, temos que sua filosofia – pasmem – “é a melhor forma de anti-nazismo” (Cohen). Revoltante, angustiante e assustador! Ou endeusaram Heidegger por falta de opção, falta de entendimento, ou pela lógica tertuliana de crer por ser absurdo, por status, para ser do contra, ou finalmente 'para ver a roupa invisível do rei'... 

Quando desafiado, após o seu infame discurso de posse, pelo filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers – cuja esposa era judia -, a declarar sem rodeios se apoiava ou não o programa nazista, o reitor respondeu que havia uma “conspiração judaica internacional”, estarrecendo à todos quando terminou dizendo que [de qualquer forma] “Hitler tem mãos maravilhosas”. Esta foi uma resposta com uma ameaça a Jaspers. 

Heidegger representou para Hitler o que o filósofo italiano Giovanni Gentile foi para Mussolini. Gentile foi adotado como o pensador oficial do fascismo italiano, e foi executado pelos fascistas soviéticos após a guerra, em função dos transtornos causados. Heidegger teve mais sorte nas mãos “ocidentais”, e o tribunal de Nuremberg classificando-o como mais um ventríloquo de Hitler, um messias da tradição idealista alemã, sincretizando Husserl, Marx, Hegel, Kant, Platão, etc., apenas proibiu que retornasse aos seus discursos ininteligíveis, pomposamente eruditos e enfadonhos, por cinco anos. O mundo não perderia nada.

Mas o filosofo Martin Cohen adverte:
“A influência de Hitler de certa forma esmaeceu; a filosofia, porém, permanece servil a Heidegger.”
Agora pretendo justificar o corolário introdutório. Heidegger foi pupilo de Husserl , que foi pupilo de Brentano, que por sua vez aderiu tacitamente a Aristóteles, que seguiu a Platão, entre outras influências bizarras como Kant, Hegel e Marx... em processo sincrético, convergente e completamente equivocado... Por quê?

Assim Husserl define a Fenomenologia:
“Fenomenologia pura afirma ser a ciência dos fenômenos puros. Este conceito do fenômeno, que foi desenvolvido sob vários nomes, já no século XVIII, sem ser esclarecido, é o que teremos de lidar com o primeiro de todos. “
Ok, sim, precisamos de uma clara definição, ao que Husserl jamais ascende. Mas ele deixa uma pista do que pretende:
“Estaremos em uma posição bem desagradável, na verdade, se a ciência empírica for o único tipo de ciência possível.” - Edmund Husserl 
Husserl quer deliberar sem limites, e deseja postular sem comprovar nada, e a partir de meros constructos ‘ditos filosóficos’. Não pretendo partir em uma digressão tão extensa, embora seja necessária, mas o ‘mito do empirismo’ foi invocado precisamente para vilipendiar qualquer tipo de prova ou confronto de hipótese, teses e teorias com a REALIDADE. Explico, e invoco Popper: não existe de fato empirismo, e na verdade nunca existiu. O que praticamos na Ciência – a nobre atitude de nos tornarmos cientes pelo confronto com a Realidade – é o Método Dedutivo Sustentado por Provas. O que isso viria a ser? Primeiro submetemos a nossa hipótese ou conjunto de hipóteses ao escrutínio lógico, comparando tais proposições com outras proposições devidamente comprovadas, e avaliamos a possibilidade ou não de absurdo lógico - ou dedutivo; só assim, e com uma boa hipótese nas mãos, efetivamos experimentos para validar ou não tais proposições, pelo confronto com a realidade.

A guerra entre Método Indutivo e Dedutivo foi uma tremenda perda de tempo, e foi deflagrada por aqueles que pretendiam, pela autoridade, livra-se de qualquer responsabilidade em prová-la. Trago sempre à mão o melhor de todos os exemplos; para Aristóteles, a mulher tinha menos dentes do que os homens, ao que Bertrand Russell ironizou:
“Aristóteles afirmou que as mulheres têm menos dentes do que os homens. Tendo sido casado duas vezes, nunca lhe ocorreu verificar tal afirmação, apenas examinando as bocas de suas esposas.” - Bertrand Russell (‘O impacto da ciência na sociedade’; 1951)
Percebam, o mais absoluto desprezo pela prova... Mas percebam, com ainda mais cuidado, a exacerbada certeza de Aristóteles em sua autoridade - na autoridade de seus ‘constructos’ e leis... Não pretendo limitar a especulação, mas torna-la ética. Devemos especular sobre evidências, ou sobre hipóteses que não incorram em absurdos lógicos, caso contrário, especularemos sobre o vazio. Ainda segundo Aristóteles, quanto mais pesado um objeto mais rapidamente ele cairia – o que sabemos ser falso, desde o ensino fundamental. E podemos testar isso - mesmo no tempo de Aristóteles.  Mas ele não precisava disso, assim como Husserl, bastando apenas ‘postular’ – ad Verecundiam ou Magister Dixit...

Para que a contextualização não seja invocada, e nem sequer tentada, devo advertir sem demora que: Aristarco de Samos vivia o mesmo tempo que Aristóteles, e preferiu formular hipóteses e corroborá-las com evidências, honestamente, antes de se preocupar com a sua notoriedade ou postulando crendices baratas. Por isso antecipou Copérnico em 2.000 anos, sobre a órbita da Terra em torno do Sol – e não o contrário. Por obra e graça de Aristóteles a humanidade foi privada de tal contato com a REALIDADE.

Platão e Aristóteles escreveram, juntos, uma enciclopédia de asneiras, sacramentadas na pia batismal católica e convertidas em verdades ‘transcendentais’ e universais - e inatacáveis ‘apenas’ com provas. E assim foi. Não foi somente a Cosmologia que atrasou o passo em 2.000 anos; Aristóteles garantiu o mesmo atraso para a Química, rejeitando por aclamação popular – ad Populum – a Teoria Atômica de Demócrito. A popularidade arrogante e falastrona de Aristóteles ofuscou os verdadeiros pensadores da antiguidade clássica, como Epicuro, Leucipo, e, mais tarde, Lucrécio. Mas as doutrinas platônico-aristotélicas deixariam sequelas ainda mais profundas e duradouras, sobretudo em nossa conceituação moral e social; afinal, é bem mais difícil estampar provas morais para esbofetear imbecilidades como esta:

“[...] mulheres são imperfeitas por natureza. ” – Aristóteles (‘Política’; 1.254 b 10-14)
“Apenas os homens são criados diretamente pelos deuses e recebem almas. Aqueles  que vivem de maneira justa retornam às estrelas, mas os que são covardes ou seguem vidas iníquas podem com razão esperar ser convertidos para a natureza das mulheres no segundo nascimentos” – Platão (‘Timeu’)
“A natureza da mulher é inferior a do homem na sua capacidade para a virtude.” – Platão (‘As Leis’)
“É melhor para todos os animais domesticados serem governados pelos seres humanos. Pois assim é que se mantêm vivos. Do mesmo modo, o relacionamento entre macho e fêmea é por natureza tal que o macho ocupa a posição mais elevada e a fêmea a mais baixa, de modo que o macho domina e a fêmea é dominada.” – Aristóteles (‘Política’; 1.254 b 10-14)
“É por isso que os poetas dizem: ‘É correto que os gregos governem os bárbaros’. [pois] por natureza o que é bárbaro e o que é escravo são a mesma coisa.” - Aristóteles (‘Política’; 1.254 b 10-14)
“Mas há alguém destinado pela natureza a ser escravo?” [Para quem] tal condição é conveniente e correta, [ou não é antes] toda escravidão uma violação da natureza? [E ele responde que] não é difícil responder a essa pergunta com base tanto na RAZÃO QUANTO NOS FATOS [grifo meu]. Pois se alguns devem mandar e outros serem mandados é algo não apenas necessário, mas APROPRIADO [grifo meu]; a partir da hora do nascimento, ALGUNS SÃO MARCADOS [Por quem? Por quê? Pra quê? Segundo que critérios?] PARA A SUJEIÇÃO; OUTROS PARA GOVERNAR. [E prossegue:] Essa pessoa é por natureza um escravo que pode pertencer à outra pessoa e que só participa do ato de pensar por reconhecê-lo, mas não por possuí-lo. Outros seres vivos (animais) não conseguem reconhecer o pensamento; obedecem somente aos sentimentos. CONTUDO, HÁ POUCA DIFERENÇA ENTRE USAR ESCRAVOS E USAR ANIMAIS DOMESTICADOS: AMBOS FORNECEM AUXÍLIO FÍSICO PARA FAZER COISAS NECESSÁRIAS.” – Aristóteles (‘Física’; 1.252 b 8)
Quando fito tais ‘asneiras’, e mais uma vez, não posso evitar uma pitada de picardia irônica: semelhante imbecil só poderia mesmo ser uma autoridade consagrada pela cátedra de Filosofia... Lembrando ainda que existe o pensamento antigo e o pensamento ERRADO... Pessoas sofreram e morreram na conta cobrada por tais ‘constructos’...

Reconsiderem os postulados platônico-aristotélicos batizados pela cristandade e amplificados por Agostinho e Aquino, e contem os absurdos:
(1) Homens são perfeitos, mulheres são imperfeitas;
(2) Homens degeneram em mulheres;
(3) Existem várias ‘encarnações’;
(4) Existe uma “alma”, o toque “divino”, disponível apenas nos ‘modelos masculinos’, machos, ‘não-inferiores’, ‘não-escravos’... Escravos, animais e mulheres estão privados desta benesse divinal... Em outra célebre passagem Aristóteles nos ‘ensina’ [sic] que “escravos, animais e mulheres não têm alma”, isso é certo [sic] – segundo ele -, mas a novidade é que “pelo menos os escravos e animais servem para a força motriz”... E para que servem as mulheres???
(5) As mulheres servem ao homem... Toda esta ladainha hollywoodiana sobre as mulheres gregas é uma tremenda estória da carochinha, e direi por quê: na sociedade grega, a REAL: (a) a mulher estava confinadas à casa paterna; (b) até que, entre 10 e 15 anos, os pais escolhessem um marido para ela; (c) a mulher era transferida então para a casa do maridão, para desempenhar suas funções: servir, parir e criar filhos, i.e., MENINOS; (d) apenas uma filha era tolerada pela família, sendo a segunda destinada a ‘morrer’, ou simplesmente a ser abandonada à sorte nas encostas escarpadas - para igualmente ‘morrer’; (e) os gregos não viam problemas em satisfazer sua sexualidade com cortesãs (‘hetairai’), prostitutas – filhas indesejadas de alguém -, escravas capturadas, sem contar a farta oferta de ‘rapazes’ – afinal o amor entre homens era considerado “mais puro”; (f) à mulher estava vetada toda e qualquer forma de socialização, seja com o marido, ou com os amigos deste; os encontros sociais, mesmo em sua própria casa, estavam restritos às zonas onde a própria esposa estava impedida de entrar – tudo muito semelhante ao que foi a cristandade, e ao que é o mundo islâmico e hindu; (g) mulheres de melhor nível social não podiam ir ao mercado, ou perambular por vias públicas – jamais -, sendo estas atividades reservadas aos homens, escravos e escravas; na verdade, as escravas tinham mais liberdade do que suas ‘senhoras’;
(6) Existem homens “inferiores”, e isso é definido por deus no nascimento – portanto serão escravos;
Mas voltemos ao ‘filósofo do filósofo’, voltemos a Husserl:
“O que deseja a fenomenologia, em todas essas investigações, é estabelecer o que admite ser afirmado com a validade universal da teoria.”  - Husserl (‘Fenomenologia Pura’; 1917)
Basicamente Husserl está dizendo que a nossa percepção das “coisas” externas, pode falhar, mas a reflexão “interior”, essa sim é “indubitável”.
“Isso coloca duas ciências como separadas no mais nítido contraste: de um lado a fenomenologia, a ciência da consciência, pois é em si mesmo; do outro lado as ciências das coisas – exteriores -, não como uma totalidade.” – Husserl (‘Fenomenologia Pura’; 1917) 
Ele relega “as ciências”, não fenomenológicas, ao estudo das “coisas”. E hoje podemos refutá-lo cabalmente com a Neurociência, e a Biologia da Consciência. 
“A existência do que é dado para reflexão imanente é indubitável enquanto o que é experimentado através da experiência externa permite sempre a possibilidade de que ele pode vir a ser um objeto ilusório no decurso de novas experiências.“ – Husserl (‘Fenomenologia Pura’; 1917) 
Os equívocos cometidos pela arrogância postulante de Husserl vêm diretamente da arrogância ignóbil de outro ‘achologista’: Franz Clemens Bretano.
“Podemos dizer que o som é o objeto principal do ato de ouvir, e que o próprio ato de ouvir é o objeto secundário.” - Brentano 
Não senhor! A percepção do som e o seu processamento neural é um processo, que integra ‘objetos orgânicos’ - se assim quiser chamá-los - e não um objeto em si. Aí reside o problema de filosofar sem estudar absolutamente nada sobre a REALIDADE que nos cerca. 

A Filosofia de Cátedra abarcou, até o Círculo de Viena, o pensamento descritivo e inventivo da realidade – o pensamento científico e o pensamento mágico. De lá pra cá, o ‘pensamento’ migrou para as diversas Ciências, enquanto a Torre de Marfim da Filosofia passou à reedição de monografias do pensamento achológico, equivocado, e que não se prestam a nenhuma sorte de utilidade pública ou privada. O mesmo ocorre com os avatares filosóficos: a Teologia, a Sociologia e a Psicologia. Tais áreas estão fundadas sobre falácias, a citar: (1) ‘Tábula Rasa’, o homem como produto do meio; (2) ‘O Bom Selvagem’, quanto mais primitivo melhor, menos violento, melhor qualidade de vida, entre outros equívocos; (3) ‘O Fantasma da Máquina’, a dualidade corpo e mente, ou corpo e alma; (4) ‘O Livre Arbítrio’, assim como o respectivo ‘Mito do Determinismo’; (5) O ‘Imperativo Categórico’ da existência de deuses fascistas de qualquer tipo, zumbis hebreus, movimentadores dialéticos de montanhas, milagreiros do deserto, milagreiros alemães que permutam patrões e empregados no poder, e múmias embalsamadas em geral - estejam no Kremlin, em Moscow, no Egito, ou em Pyongyang...

“A Psicologia está morta” (Gazzaniga), e o comportamento humano é estudado na Neurologia, na Genética e na Biologia - refiro-me ao Brasil... Nos Estados Unidos e em grande parte da Europa, a Psicologia está se firmando como Ciência, e virando a própria mesa. Os ‘comportamentais’ estão controlando o seu próprio comportamento ‘crente’, além do solipsismo do ‘saber que’, em favor do ‘saber como’... Evidentemente qualquer menção a Freud foi banida, estando restrita, quando muito, à História da Psicologia – uma estória dentro da História, a ser esquecida... O psicólogo canadense Paul Bloom, na aula inaugural de Introdução à Psicologia em Yale, adverte: 
"Vocês não encontrarão Freud no curso de Psicologia desta universidade, e já faz algum tempo. Talvez encontrem Freud na Sociologia, Filosofia ou Literatura."
Complemento, sarcasticamente, dizendo que a tétrica ‘ficção’ freudiana só poderia abrigar-se em área afins com a ficção: Filosofia, Sociologia e Literatura – sendo que esta última também trata do gênero ‘não ficção’... E falando em ficção, sigamos um pouco mais com Brentano para desconstruir a Fenomenologia e, de quebra, o Existencialismo; e embasando minhas alegações introdutórias:
 “Uma consciência inconsciente não é mais uma contradição em termos do que um caso invisível da visão.” - Brentano 
Parece interessante, mas não é... E se puderem entender o ‘porquê’, terão dado um efetivo passo ‘filosófico’. O ‘constructo’ de Brentano, bem fenomenológico por sinal, não passa de um sofisma semântico, e uma asseverada ignorância neurológica. O cérebro, em seus tecidos físicos e fisiológicos, assim como por meio do equilíbrio bioquímico, controla os processos conscientes e inconscientes. De forma que existe sim o processamento de funções que não chega à nossa consciência. E pasmem vocês, nós podemos "ver" sem "ver", e isso porque podemos captar a imagem, processando-a em um nível abaixo da consciência. Podemos ‘ver’ sem ‘ver’, ou seja, vemos sem saber o que estamos vendo. A estória de T.N. vai ajudar muito a elucidar a questão, deixando-os, mais do que nuca seguros de que ‘existe muito mais entre o céu e a terra, do que imagina a vã filosofia de cátedra’.

Uma das funções mais importantes de nosso cérebro é o processamento de dados capturados por nossa retina fotossensível. Essa e outras funcionalidades decorrem de nossa evolução como espécie. 1/3 de nosso processamento cerebral está envolvido em nosso sistema de visão, e isso ocorre sem que estejamos plenamente conscientes do que está passando. Isso envolve o filtro de informações desnecessárias, o reconhecimento facial, com destaques para olhos e bocas, detecção de cores e movimentos, noções de profundidade e distância, classificação de objetos, etc... Assim tomamos consciência sem estarmos conscientes do processo. Mas vamos mais fundo nisso.

T.N. são as iniciais de um homem de origem africana, 52 anos, alto e com boa compleição física, cuja identidade a Ciência preservou. T.N. entrou para a História da Ciência quando morava na Suiça, em 2004, e sofreu um derrame exatamente no Córtex Visual, localizado no Lobo Ociptal, principal centro de processamento de imagens do Cérebro. O derrame afetou apenas o lado esquerdo, prejudicando apenas o processamento do campo visual do lado esquerdo. Infelizmente, para T.N., 36 dias depois ele sofreu outro derrame na mesma região, só que do lado direito. T.N. estava cego. Sua infelicidade foi uma oportunidade para a Ciência Médica, já que dificilmente encontramos pacientes com lesões tão localizadas, e este foi o caso. Este estudo abriu espaço para o melhor entendimento da Cegueira Cortical, quando todo o sistema ótico está ileso, mas o processamento final da imagem está irremediavelmente comprometido.

Todos os testes foram procedidos e T.N. estava realmente às escuras. Ele nem conseguia ver a parede a um palmo de distância de seu rosto. Um exame detalhado confirmou a Cegueira Cortical, embora o restante de seus Sistema Visual continuava intacto, significando que os seus olhos podiam captar a luz, e transmitir esta fotos sensibilidade como antes, mas o processador estava pifado. 

T.N. foi convidado a participar de estudos, e aceitou a tarefa. Podemos esperar tudo em termos de alternativas experimentais, menos que solicitemos a um homem ‘cego’ que reconheça a expressão facial de outro rosto humano diante de si. Mas era exatamente isso que tínhamos em mente. Os cientistas apresentaram primeiramente sequências de objetos, e T.N. se comportou como cego. Depois os cientistas apresentaram uma série de imagens aleatórias misturando rostos tristes e felizes. Para um cérebro humano, rostos têm importância crucial, evolucionária, enquanto formas geométricas são – de certa forma – alienígenas. 

Leonard Milodinow em seu imperdível ‘Subliminar’, enriquece o tema:
“Os rostos têm um papel especial no comportamento humano. É por isso que [...] dizia-se que Helena de Troia tinha ‘um rosto que lançava mil navios’, não ‘uns seios que lançavam mil navios’. [embora uns prefiram seios do que rostos]” 
Rostos, evolucionariamente, indicam se estamos na presença de pessoas – ou animais - felizes, tristes, confiáveis, traiçoeiras, amistosas ou perigosas. E nossas expressões são controladas de forma inconsciente, por mais que conscientemente tratemos de modificá-las – o que remonta a um bom ou mau ator -, mas isso exige treino. Cotidianamente nós ‘entregamos o ouro’ em nossas expressões, e por isso a intuição pode nos servir quando lidamos com pessoas. Os animais, como cachorros, são excelentes nesta tarefa, e sabem exatamente quem os está temendo ou não.

Pode ser que os homens tenham uma propensão a escolher mulher com seios fartos e nádegas avantajadas, posto que a energia armazenada nas nádegas alimenta o feto na gestação, enquanto os seios alimentam o bebê, e uma mulher ‘farta’ seria uma melhor procriadora, mas isso ainda não foi provado. E certamente o silicone disfarça, mas não engana o cérebro com tanta facilidade. Conjecturas à parte, o rosto é fundamental, e o seu reconhecimento está provado. Danos na região Infratemporal – do Lobo Temporal – levam as pessoas a perceber bocas e olhos como deformados.

Mas a região que detecta rostos também está nos Lobos Temporais, e é conhecida como Giro Fusiforme. E o Giro de T.N. estava intacto, de forma que ele, ‘cego’ – corticalmente falando -, reconheceu a expressão de todos os rostos corretamente. T.N. já não podia ‘ver’ os rostos, mas podia ‘ver’ suas expressões, porque eram processadas em uma área anterior à decodificação da imagem. A Prosopagnosia é o dano causado ao Giro Fusiforme, impedindo o reconhecimento de rosto. Uma pessoa pode captar a reflexão luminosa, transmitir os sinais, e dispor de um processamento de imagens em perfeitas condições, mas incapaz de reconhecer rostos. Em ‘O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu’, o eminente neurocientista Oliver Sacks investiga a questão. 

T.N. partiu para outro teste, desta vez tentando desviar de entulhos em um corredor. T.N. ziguezagueou com perfeição, e desbancando os postulados filosóficos de Brentano. Por isso devo afirmar, que o desrespeito pelo correto entendimento da REALIDADE que nos cerca - e existe uma realidade -, pela prova, nos leva à condição patética de postulantes da autoridade – de Pitágoras, Platão, Aristóteles, Agostinho, Aquino, Kant, Descartes, Leibniz, Hegel, Marx, Husserl, Heidegger, Sartre, Foucault, entre outros... Evidentemente Brentano não poderia haver considerado a Neurociência no final do século XIX e início do século XX, mas é exatamente esta a questão: por que, então, enquanto outros aprofundavam suas investigações, ou calavam a respeito, um homem se levanta sem provas e arbitra a verdade? E por que outros o ceguem? Invocar ‘imperativos categóricos’, explicações ‘apriorismos’, repudiar provas, invocar a autoridade, abusar dos circunlóquios sofismáticos, assim como explicações ‘metafísicas’ – esotéricas, espirituais, sagradas -, FOI E É CONTINUA SENDO EQUIVOCADO...     

De forma a CIÊNCIA, tão temida por Brentano, Husserl e Heidegger -, abarca em nosso tempo tudo o que há... Estamos avançando em todas as fronteiras. Estudamos com precisão, infinitamente maior do que a cirúrgica, o ‘mais grande’ e o ‘mais pequeno’, e estudamos a nossa capacidade de estudar, e estudamos o nosso comportamento. Assistimos e assimilamos este espetáculo maravilhoso, de uma posição privilegiada na História - e somos, pois, poeticamente, a Memória do Universo... O “medo” de Heidegger e seus mestres, o terror dirigido à ‘prova’, “revela o nada” por trás das ruínas de seus ‘constructos’ - que infelizmente ainda são idolatrados em escolas por todo o mundo.

Sartre idolatra Heidegger, e estabelece sua própria tese revolucionária, o Existencialismo... ‘Ismos’ à parte, o ‘célebre’ francês nada mais faz do que ‘ficar de pé’... Sartre afirma que evitar escolhas difíceis denota má-fé... Mas isso é exatamente o que faz quando deixa de encarar as ambiguidades que o cercam nas décadas de 30 e 40, se recusando terminantemente a discutir o tema do marxismo, mantendo-se conspicuamente em silencio sobre os crimes de Stálin. Sartre é incapaz de dizer que errou, assim como Heidegger...
Camus se levanta como um verdadeiro pensador, e assume os seus erros:
"Contar-se-ão nos dedos da mão, os comunistas que chegaram à Revolução pelo estudo do marxismo. Convertem-se primeiro e só depois leem as Escrituras." - Albert Camus(O Homem Revoltado - L´homme révolté)
Ferrenhas discussões filosóficas não passam de modulações bioquímicas e características fisiológicas – e precisarei me desviar das pedras que serão lançadas contra esta ‘heresia’... E retornando a Kant, recomendo que se sentem - se ainda estiverem de pé - para não cair... O doutor francês Jean-Christophe Marchand estudou pormenorizadamente a biografia clínica do filósofo Immanuel Kant, inferindo que o mesmo padeceu de um tumor no Lobo Pré-Frontal. A partir do 47 anos Kant começou a se queixar de fortes e repetidas dores de cabeça, e gradualmente foi perdendo a visão do olho esquerdo, além de prejuízos notórios à sua fala. O tipo de tumor que pode ter acometido Kant se desenvolve lentamente, e afeta de sobremaneira o nosso Sistema Emocional - o comandante em chefe de nossas ações.

Curiosamente, Kant se torna ininteligível e apodítico aos 47 anos. Até este ponto suas obras traziam uma escrita clara e bastante explícita. A fase iniciada com a 'Crítica à Razão Pura', traz um Kant extremamente confuso e complexo, fazendo com que – em comparação - "a escrita de Jean Piaget possa ser considerada lúcida” (Gazzaniga; 1998), o que parece uma tarefa quase impossível. Isso é tantalizado, porque os danos causados a está área perturbaram as ações de Kant, e tal fase de plena confusão foi escolhida pelos idólatras da mensagem kantiana, e talvez por não entenderem patavinas... Seus seguidores adoraram as ideias conturbadas por um tumor, e possivelmente tal adoração denote identidade com aqueles que também possuem importantes distúrbios cognitivo-emocionais. Este não seria o caso de Heidegger?

E repito, como recordatório, que qualquer discussão dita 'filosófica' está fadada ao ridículo quando o bom entendimento do comportamento humano não estabelece as premissas - Neurociência, Genética Comportamental, Sociobiologia e Teoria Evolucionária. A Teologia, a Sociologia e a Psicologia, derivativos metafísicos da Filosofia, não têm utilidade alguma, porquanto estão inteiramente fundados e fundamentados por falácias: (1) Livre-arbítrio; (2) Tábula Rasa; (3) O Fantasma da Máquina; (4) A Vitimologia; (5) A Salvação; (6) O Apocalipse; (7) O Caminho da Perfeição; (8) O Messias; (9) O Bom Selvagem - a boa minoria, o bom pobre, etc; (10) O Maniqueísmo; (11) O Animismo; (12) O Intencionalismo; e por aí vai...

Já existe muita confusão lá fora... Encaremos pois, e antes de tudo, a responsável tarefa de estabelecer marcos dentro da REALIDADE – que encontra-se, fulgurosamente, bem estabelecida em nosso tempo -, para só então considerar, eventualmente, a leitura de seus detratores. A Filosofia de Cátedra, trás quase sempre uma questão mal colocada, decorrente de desconhecimentos diversos, e, sobretudo, pelo repúdio pela REALIDADE... E este é o caso aqui, e este é o caso de Heidegger...

Rejeito o ímpeto infantil da juventude dita revolucionária - ontem e hoje -, invertendo e subvertendo a 11a. e conclusiva Tese de Marx sobre Feuerbach: POIS A PRIMEIRA QUESTÃO NÃO É COMO MUDAR O MUNDO, MAS ANTES, E SOBRETUDO, COMPREENDÊ-LO... E essa tarefa não é levada a cabo no curso de Filosofia – e na verdade passa bem longe, além do horizonte...

Sem o correto diagnóstico, como prognosticar soluções? Crianças, façam o dever de casa - eu fiz o meu...

Q.E.D.

Carlos Sherman

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.