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sábado, 15 de novembro de 2014

Sobre Águias e a Poesia da Realidade



Insisto na POESIA DA REALIDADE - da qual muitos estão privados por questões neuropsicológicas decorrentes do processo evolutivo... 

Publicaram que as águias, "solitárias", conseguem voar acima da tempestade; diferentemente de outros pássaros, e evocando o falacioso conceito da auto-ajuda de que "basta querer", e você poderá - num passe de mágica - transformar sua natureza de, digamos, um 'mero' joão-de-barro, um canarinho, um pardal, para uma majestosa águia... E subitamente, após uma palestra motivacional, você poderá "voar acima das tempestades", possuir garras, e se transformar num caçador solitário... 

Isso implica, viajando na analogia e na metáfora, ter asas, compleição física e habilidades - neuropsicológicas - de um humano-águia; que não treme diante de uma tempestade, que não fica paralisado, preocupado, e que NÃO ama sua prole! Sim, é isso mesmo, afinal as águias não são capazes de levar seus filhotes consigo – como reza o mito -, e este voo “acima da tempestade” implica em deixá-los para trás... Assim como fazem os humanos mais primitivos e nômades: deixando seus filhos para trás, e, em muitos casos como ainda encontramos na Amazônia, enterrando-os vivos, a começar por deficientes e gêmeos. Isso fere de morte o mito sociológico e rousseauniano do “bom selvagem”...

Precisamos também confrontar o mito da seleção natural hegeliana pela força, afinal avançamos pela vida mais em função da adaptabilidade do que por meio da força bruta e eventual agressividade... Não se esqueçam: a águia é um ser vivo próximo da extinção! Tudo tem um preço, e existe valor inegável nos silenciosos, nos aparentemente frágeis, humildes, ou dispersos... Abrace a diversidade, não precisamos todos agir como aves de rapina! Até porque me parece que muitos confundem a verdadeira águia, real e natural, com seu mito sobreimaginado...  

Uma antiga lenda atribuída ao doctor Agostinho, santo e teólogo católico que viveu no século IV da Era Comum – e nada sabia sobre águias -, sentencia que:

“O sol revigora os olhos de águia, mas fere a nossa.”

Trata-se de uma proposição falsa, afinal as águias têm olhos com propriedades anti-reflexivas, mas assim como os humanos, elas não serão privadas dos efeitos deletérios do sol quando recebem diretamente seus raios... 

Um mito Athapaskan retrata as águias como os capazes de alimentar pessoas famintas; um certo “príncipe” teria dado um salmão à uma águia durante um tempo de abundância – onde a mesma, por algum motivo inconfesso, não teria sido capaz de virar-se sozinha na caça (?); sendo “pago” no ano seguinte, nas vacas magras, com salmões, “leões-marinhos” e até “baleias”... Essas lendas, provavelmente inspiradas na alimentação dos filhotes – que não é privilégio das águias -, e onde os humanos desempenham papel de destaque sem paridade no reino animal, alimentou cresças absurdas que hoje podem ser confrontadas com a realidade; afinal as grandes águias não podem carregar tanto peso...

Existem lendas que se equivocam de forma oposta em relação à aguçada visão da águia... Um chefe Kwakiutl “pediu” a uma águia que vigiasse as canoas; a águia prestativa e ansiosa para ajudar, e familiarizada com a língua dos nativos, convenceu a uma “lesma” - que ‘na época’ contava com excelente visão, amplamente deteriorada ao presente -, que a ajudasse com a tarefa. A lesma, que também pôde se comunicar com  águia - talvez telepaticamente -, concordou “emprestando os olhos à águia”. Terminado o serviço de sentinela, a águia teria se recusado a devolver os olhos à lesma. E assim “salvamos platonicamente o fenômeno” e ajustamos os incômodos de crer no que é falso...

Um famoso vídeo de “auto-ajuda” que circula nas redes sociais, e alimentados por apologetas como Augusto Cury - que se apresenta como “psicólogo cristão” -, conta a seguinte fábula:

Uma águia vive me média 70 anos. Ao 40 anos de idade suas garras e bico tornam-se demasiadamente dobrados e a águia não consegue mais caçar. Ela tem então que tomar uma dolorosa decisão, e só dispõem de 2 opções: morrer ou passar por um processo de renovação com a duração de cinco meses. Então, a valente águia voa para topo de uma montanha, iniciando um doloroso processo que consiste em bater o bico até que ele caia, crescendo novamente. As garras e as penas velhas também são arrancadas, e o processo se repete, e as novas garras e penas voltam a crescer. A águia pode então viver mais 30 anos.

Trata-se de uma abjeta e terrível falácia!!! Tudo isso é absolutamente FALSO. Os slides capricham na paisagem, com Richard Clayderman tocando Ave Maria na trilha sonora... Mas tudo isso é não passa de pura fantasia, associada a outras fantasias bíblicas. 

“Que farta a tua boca de bens, de sorte que a tua mocidade se renova como a da águia.” - Salmos [103:5]

Contra fatos não subsistem opiniões ou crendices... A menos que estejamos falando do ‘efeito rebanho’; neste caso vale tudo, e faltam escrúpulos e honestidade! Este negócio, baseado na alegoria da mudança de vida e na personalidade, desconsidera o correto entendimento sobre a natureza humana, assim como da vida das águias... A fábula não explica como a águia poderá sobreviver sem comida e água durante 150 dias! Além disso, a Biologia e os estudiosos das águias – as reais -, e não teólogos e afins, bem sabem que as garras e o bico de qualquer águia continuam a crescer ao longo de toda sua vida e, portanto, não envelhecem ou tonam-se inutilizáveis - como reivindicado pela propaganda proselitista religiosa ou da auto-ajuda. Tudo é falso, e também as penas são continuamente renovadas, como ocorre com todos os pássaros e animais.

AUTO-AJUDE-SE!!!

Os bicos e garras, feitos de queratina - a mesma substância que dá vida aos nossos cabelos e unhas. A substituição completa das penas dura quase seis meses, sendo lenta e gradativa, e podendo inclusive alterar a conformação das machas em sua plumagem; mas nem todas as penas são substituídas em uma determinada muda. Uma águia sem penas, garras e bico, morreria de fome, sede, e exposição ao frio em poucos dias... As águias americanas – citadas no vídeo - vivem tipicamente entre vinte e trinta anos em estado selvagem; outras espécies de águias podem variar sua longevidade, embora nenhuma delas, e em nenhum tempo ou lugar, tenha atingido os 70 anos de idade em estado selvagem.

Esta propaganda irresponsável e desonesta suscita outras questões menos 'aquilinas': como é possível que inventemos estórias estapafúrdias sem o menor escrúpulo? E como é possível que uma plateia crédula possa consumir tais absurdos de forma tácita e sem a menor preocupação com PROVAS? Histórias como esta, ou como o renascimento das cinzas, no caso de outra ave majestosa, candidata a personagem mítica - a Phoenix -, povoam o imaginário, sendo contadas por ídolos pouco atidos à VERDADE... Reparem no desprezo pela comprovação, e reparem força da autoridade de inventa tais asneiras!

A cara de pau é tão grande que um dos slides cita uma suposta alegação “científica”, dando conta de que “a águia tem a maior expectativa de vida entre suas espécies”... O autor da falácia invocava o truque da credibilidade científica, o que nos trás certo alento, já que a Ciência tem sido mais e mais valorizada; mas o faz por meio de mentiras, usando de fato a nefasta “pseudo-ciência” ou “falsa-ciência”, ou até mesmo um tipo de alegação “acientífica”... As diferentes variedades de águia pertencem à mesma espécie, e o ignorante “pastor de tolos” pretendia dizer que as águias viveriam mais do que outras espécies de aves – O QUE TAMBÉM É FALSO! Papagaios e outras espécies de aves são conhecidos por viverem muito mais tempo do que as águias...

Outra falácia mítica associada à águias, e sua paternidade, também decorre do proselitismo bíblico:

“Como a águia desperta a sua ninhada, move-se sobre os seus filhos, estende as suas asas, toma-os, e os leva sobre as suas asas, assim só o Senhor o guiou; e não havia com ele deus estranho.” - Deuteronômio [32:11-12]

A única verdade aqui é a de que podemos atestar metaforicamente sobre o perigo das ferozes garras e bicos dos pregadores da salvação; pois mais outra vez a mensagem é FALSA! Uma figura de linguagem é tentada, sugerindo a semelhança entre o “deus que leva seus fiéis e filhos em suas asas”, e a poderosa águia... Mas águias jamais carregam seus filhotes. As maiores águias podem suportar cargas de até 4,0 kg, e com 10 semanas de vida, seus filhotes estarão tão grandes quanto os pais; e bem preparados para um primeiro voo, permitindo que eles deixem o ninho - indefinidamente. Se pretendemos invocar exemplos de paternidade, podemos citar as galinhas, embora nenhuma outra espécie supera a nossa... Mas o proselitismo cristão e da auto-ajuda nos quer montados sobre o lombo de um deus com garras e bico potentes, e por toda a eternidade - desde que paguemos o dízimo, e nos mantenhamos cativos, submissos e ruminantes... De forma que a águia é um péssimo personagem para esta metáfora, não importa o ângulo que escolhamos para VER...

Sobre o "corajoso" voo das águias acima de uma tempestade, devo alertar que este voo não pode ultrapassar os 3.000 metros de altitude... Mais uma vez uma metáfora da auto-ajuda cristã é tentada:

“Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga? É inescrutável o seu entendimento. Dá força ao cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansarão e se fatigarão, e os moços certamente cairão; mas os que esperam no Senhor renovarão as forças, subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se fatigarão.” - Isaías [40:28-31]

O povo Azteca reservava o símbolo da força contido na figura da águia apenas para a sua elite... Os cristãos reservam apenas ao seu deus, e ao "povo escolhido"... Os demais serão "assados no fogo" do inferno, mais parecendo galetos do que filhotes de águias...

Uma amiga esbravejou: “quebrastes o encanto das águias e de tudo!” Mas deixei uma mensagem nova e revigorante no lugar... Não precisamos todos nos comportar como aves de rapina! Devemos aceitar e conviver com a diversidade... E deixei algo ainda mais valioso para aqueles que puderem entender: A VERDADE E A POESIA DA REALIDADE...

Não se esqueçam: a verdade não tem adjetivos! Insiste, persiste, resiste, penetra - sempre...

Carlos Sherman

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