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domingo, 19 de julho de 2015

A Capciosa Questão do MAL e A "GATA" DE SCHRODINGER...



A Capciosa Questão do Mal...

"É realmente preciso distinguir a força e a beleza das palavras, da força e da evidência das razões." - Malenbranche (‘Procura da Verdade’)

Erwin Schrödinger formulou sua 'Nova Mecânica', ou ‘Mecânica Ondulatória’ – base para o que seria a Mecânica Quântica -, em uma série de seis manuscritos brilhantes, onde entre outros lampejos geniais, compatibilizou seus estudos com os estudos de Heisenberg, e seu famoso 'Princípio da Incerteza'. Este furor criativo, no entanto, teve início durante duas semanas com uma misteriosa amante nos Alpes suíços. Nas palavras do entusiasmado e ‘fofoqueiro’ Heisenberg:

"Erwin convidou 'uma antiga namorada de Viena' para viajar com ele para Arosa, enquanto Annie [sua esposa] ficou em Zurique. Todas as tentativas para revelar a identidade desta mulher até hoje fracassaram [...] Como a sombria dama que inspirou os sonetos de Shakespeare, a dama de Arosa permanecerá para sempre em mistério [...] Seja lá quem foi a fonte de sua inspiração, o aumento nos poderes criativos de Erwin foi dramático. As duas semanas em Arosa marcaram o início de um período de doze meses de criatividade sem paralelo na História da Física."

Acho que Heisenberg queria o telefone da gata. Erwin era muito feio, e não deve ter tido grandes jorros de ‘endorfina’ em sua vida, e o coquetel pode ter sido ainda mais forte, com direito a elevadas doses de ‘serotonina’ e de poderosas ‘dopaminas’ - este é o coquetel do amor... E devo dizer que despertei sob este gratificante efeito, que abre a mente, estimula a criatividade, potencializa a sabedoria, e incrementa a generosidade... Despertei pensando em dar cabo do MAL, e comecei folheando 'Por que não sou cristão' do genial Bertrand Russell; mas preciso agradecer em especial à minha mulher, minha "dama de Arosa" nesta  inspirada manhã... 

Enquanto conjecturava sobre as inescapáveis vantagem do conhecimento sobre a ignorância, quando a melhor instrução nos conduz a melhores e mais justas decisões, me deparei com a questão cristã do MAL - que passo a enunciar: existem situações adjetivadas como más, em contraste com situações onde denotamos algum bem... Vemos o MAL por aí, seja em um desastre de carro, o fim de um relacionamento, problemas com a saúde, infortúnios de ordem geral, financeiros, profissionais, etc... E denotamos a bonança, a sorte, a bem aventurança... Algumas pessoas parecem assoladas pelo MAL ou por situações más, enquanto outras situações e pessoas parecem ser agraciadas com toda sorte de bendição... Essa é a questão judaico-cristã-islâmica sobre o mal... E devo acentuar ainda que o divisor de águas entre fortuna e infortúnio tem nome e endereço: vós, o deus todo-poderoso que estás no céu!!!

Já nos primeiros séculos da era cristã, a questão do MAL deflagrava importantes reflexões ou dava a ignição em piras funerárias que queimaram o pensamento; afinal deus não parecia discriminar bons e maus em destruições massivas ou infortúnios pessoais... Bons e maus viviam basicamente o mesmo tempo, bons e maus eram ricos, bons e maus eram pobres - com certa predominância de "maus" entre os ricos e abastados... Como explicar isso? Com muita criativa, silogismos, falácias retóricas, e truques pouco éticos... Podemos dizer que Santo Agostinho seria o mais importante "mago" da cristandade, dando nó em pingo d´água, e tentando justificar o injustificável... E com tanta pomba e circunstância que fazia com que sua completa ausência de respostas parecessem um resposta, burilando em circunlóquios, até que o truque pudesse ser engendrado, e "2+2=13" - para o azar da humanidade...

Para Agostinho:

"[...] os seres humanos – em sua concepção - só estão livres para pecar.” ('De Corruptione et Gratia' / 'Da Corrupção e da Graça')

Triste, muito triste. Um falacioso truque de jogar tênis sem rede está no ar: o livre-arbítrio... Se deu certo foi deus, e se deus errado 'fodeu' - "foi o livre-arbítrio"... Mas quem marca os pontos? O herege não está em condições de ver a "divina rede", e assim seguimos como uma dantesca "divina comédia" - embora não seja de fato tão engraçado, mas não poderia desperdiçar o trocadilho...

Lutero e Calvino, outros homens "mono-livro", investidos de muito poder, os algozes do brilhante Servetus, ousaram outro truque: "a predestinação da salvação"... O mundo de Calvino era e é – para os seus devotos e presbíteros seguidores – uma extensão do medonho mundo de culpas, punições e predestinações agostinianas – com alguns séculos de culpas à mais sobre os ombros... Um mundo totalitário, onde uns estão fadados ao inescapável fogo do inferno, enquanto outros estão predestinados à condição coadjuvante da glória de Deus - sem mérito ou demérito, e sem direito a sursis.  A sentença está dada, e apenas aguardamos o momento de separar o joio do trigo, as ovelhas das cabras... Não bastam boas ou más ações, e nem mesmo a fé, a "profissão de fé", será capaz de contrariar o projeto de Deus... Tal realidade determinística e determinada estava baseada apenas no solipsismo truculento de Calvino... 

O "Calvinismo" sustenta até os nossos dias que o seu Deus já escolheu um grupo de pessoas que serão salvas, sendo que as demais serão irremediavelmente condenadas a arder no inferno... Consequentemente, a pergunta que todo protestante calvinista e presbiteriano se faz é: "Estarei eu entre os escolhidos?" A decisão já está tomada, então “como saber se serei salvo?” É simples, “deus irá atraí-lo”, e será necessário reconhecer e atender ao seu chamado. Mas como saber se tudo isso não é obra da ilusão, delírio ou mesmo alucinações? Como saber, por exemplo, se uma pessoa não atende ao chamado de deus por ser incapaz neurofisiologicamente? Mas, para quem ainda acredita em deuses em nossos dias, falar em ilusões pode parecer redundante ou irônico, mas naquela época foi FATAL.   

O terror discriminatório calvinista, disfarçado em nossos dias nas tradições ditas protestantes e de viés presbiteriano, tem a sua apologia ampliada no Brasil e abrangendo instituições de ensino, atuando doutrinariamente desde a delicada educação infantil até o ensino superior - como no caso da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Seguramente a história de Servetus, entre outras atrocidades cometidas in nómine Dei, não são ensinadas em tais instituições, seja na disciplina de História, Filosofia, ou no ‘inconstitucional’ ensino religioso – considerando o currículo do ensino fundamental estabelecido pelo MEC em nosso país sabidamente Laico.

Para concluir, anedoticamente, mas com uma estorinha real que vem do Texas, e que foi extraída da magnífica obra 'Deus não é grande – Como a religião envenena TUDO [grifo meu]', passo a palavra ao ilustre e inesquecível Christopher Hitchens:

"[...] me faz lembrar o governador do Texas, que perguntado se a Bíblia também deveria ser ensinada em espanhol, respondeu que: - Se o inglês era bom o bastante para Jesus, então também é suficientemente bom para mim." 

Olhando a partir da vantajosa perspectiva de um homem no século XXI, parece bem claro que o ambiente ‘religioso’, na época em que todas estas 'escalofriantes' estórias tiveram lugar, constituía o único espaço letrado e onde o acesso aos raros exemplares dos raros livros disponíveis era possível e permitido... Muito embora a maioria das obras do passado e do presente, estivessem sob o crivo proibitivo da Igreja medieval, sendo este também um espaço muito vigiado e extremamente censurado... Não devemos nos surpreender, no entanto, que todos estes episódios tenham ocorrido no ceio da própria religião, e em particular no seio do Cristianismo Medieval... A eterna luta pelo poder, perpetrada por uns, e a insistência em endereçar a verdade, impulsionada por outros, foi trasladada para o ambiente eclesiástico... Enquanto uns lutavam pelo poder, outros renasciam em lívido conhecimento... Estes últimos, e que fustigaram a verdade, cultivando a integridade de seus nobres intelectos, não se dispuseram ao controle do poder, e ao contrário... Mas eles estavam no caminho daqueles que, famintos, sonhavam com o júbilo da autoridade em doses cada vez mais altas... 

Em mais um hilariante episódio do seriado 'The BIG BANG Theory', o protagonista - Sheldon -, conjecturando sobre a existência de deuses, dispara algo mais ou menos assim:

"Deus prometeu acabar com o mal, e ainda vemos o mal por toda parte - principalmente na bíblia [grifo meu]... Mas THOR prometeu acabar com os gigantes de gelo, e já não vemos gigantes de gelo por aí; de forma que Thor está fazendo um bom trabalho."

Isso está posta aqui, para antecipar o argumento da contextualização; ou seja: ‘Naquele contexto a ideia de Thor derrotando os Gigantes de Gelo, ou da criação conforme o Gênesis, era aceitável’... Devo rebater esta falaciosa alegação com uma paráfrase de Umberto Eco; afinal: 

"Se a rendição à ignorância, chamando-a de Deus, foi prematura, devemos notar que continua sendo prematura até hoje."

Essa também, é a inescapável questão, que o dramaturgo grego Aristófanes (447-385 AEC) nos coloca, com requintes de sarcasmo e humor, em sua magistral peça ‘As Nuvens’ (423 AEC)... Segundo Aristófanes - que mais se assemelhava à um cientista do que um dramaturgo: 

“Quem pode girar todas as esferas estreladas e soprar sobre toda a terra o calor frutífero de cima, estar a postos em todos os lugares e todo o tempo, reunir nuvens negras e sacudir o céu plácido com terrível trovão, arremessar raios que muitas vezes destroem seus próprios santuários, se enfurecer no deserto, recuando para exercitar a pontaria, de modo que seus dardos possam errar o culpado e matar o inocente?”

Quem? O cérebro humano, inexato, complexo, em processo evolutivo, e incrivelmente sujeito à ilusões, delírios, e alucinações. e aos conhecidos e diversos ‘Desvios Cognitivos de Confirmação’...

Sucede que o jornaslita, autor e pensador, Christopher Hitchens (1949-2011) – e que ‘deus’, a pedido dele, ‘NÃO o tenha’ - andava pelo Sri Lanka em uma expedição de ajuda humanitária, em uma área povoada quase que exclusivamente por seguidores do mega-picareta, e também já falecido, Sai Baba... Só ‘babando’ mesmo para seguir este charlatão de segunda, e cuja seita continua viva até os nossos dias, com facções no Brasil, e ativa propaganda nas redes sociais – vide Prem Baba, além de outros mega salafrários...

Este marginal – Sai Baba - perpetrava o truque circense e mal executado de cuspir bolas de ouro; mas precisava pilhar a população miserável do sul da Índia e do Sri Lanka... E sabemos que para um ‘mago’ chegar ao estrelato basta uma plateia crédula -  e na Índia a credulidade é estimulada no berço...

Hitchens viajava em uma van repleta de seguidores ‘babenses’, e que haviam iniciado a viagem com um cerimonial de quebra de cocos, para garantir a proteção espiritual de Sai Baba... Mas não deu certo, afinal o motorista que conduzia freneticamente pelo nevoeiro terminou atropelando um motociclista... E lá estava o corpo estendido no chão, a quizumba formada, quando a polícia chegou distribuindo bordoadas e prendendo "o motorista de deus"... Hitchens então interveio, preocupado em permanecer ali, no meio do nada; afinal, possuía credenciais como jornalista, e trajava o seu inconfundível terno branco, além do sotaque inglês, sem considerar que, em meio à ignorância reinante, ele seguramente era o mamífero mais articulado do pedaço... E assim sendo, os policiais liberaram a van para seguir viagem...

Enquanto Hitchens convencia os policiais, o organizador da excursão telefonou aos assessores de Sai Baba, que lhe garantiram que o espírito do próprio reverendo havia estado entre eles, na figura do tal ‘inglês’... Um inglês ateu e um ferronho denunciante de Sai Baba...  

Pois bem, o homem atropelado morreu... E faço das reflexões de Hitchens minhas reflexões, quando penso que: não teria sido melhor que o espírito de Sai Baba tivesse atuado sobre o motorista e evitado o acidente? Este estado torpe de cegueira lógica, é conhecido pela Psicologia como Desvio de Confirmação, um atributo indissolúvel da Biologia da Crença... Certas pessoas, biologicamente, estão mais inclinadas do que outras para encontrar falsos padrões, ou falsos positivos, onde na verdade só existe aleatoriedade... Mesmo quando estão treinadas pela Probabilidade e Estatística, ainda assim tenderão a associar eventos que não estão associados; muito embora recomendo que a educação fundamental aprofunde os conhecimentos nesta áreas, sob pena de aprofundar o problema das crenças...

Um amigo, doutor desta disciplina, correlacionou o desfecho de uma crise de epilepsia, protagonizada por seu vizinho, como resultante direto e inequívoco de suas ‘orações’... O problema não está no desconhecimento sobre as leis que regem a estatística, mas sim sobre a fisiologia da epilepsia, sua sintomatologia, causas e consequências... Um bom grau de instrução é sempre melhor do que a ignorância sobre qualquer tema... 

Mas, sobretudo, tal comportamento decorre da afinidade por "crer", em detrimento de "esperar para saber"... A supremacia do "saber que", em detrimento do "saber como":

“As mesmas elevadas faculdades mentais que a princípio levaram o homem a acreditar em agentes espirituais invisíveis, depois no fetichismo, politeísmo e, por fim, no monoteísmo, iriam levá-lo de qualquer forma, à medida que o seu poder de raciocínio permanecesse pouco desenvolvido, a várias superstições e costumes estranhos.” - Charles Darwin

Existem infortúnios naturais, outros são creditados aos homens e seu livre-arbítrio para pecar, enquanto outros são tidos como "sobrenaturais" - ou seja, comandados por deus ou por deuses... Mas não podemos dizer que as grandes catástrofes foram causadas pelo livre-arbítrio, como explosões vulcânicas, terremotos, maremotos, tufões, tornados, furacões, etc... A menos que bilhões de pessoas começassem a pular sobre uma determinada placa tectônica com o objetivo de movê-la, ou começassem a soprar forte para provocar uma tempestade... e sabemos que tudo isso é ridículo...

Então onde estaria o livre-arbítrio nas grandes catástrofes? Bom, poderíamos dizer que deus está punido o MAL, punindo homens maus, mas as grandes catástrofes não distinguem bons, maus, cristãos, hereges, idosos, inválidos, crianças, bebês... E por que as igrejas teriam que usar para-raios e fazer seguro contra incêndios, se o bom deus controla os fenômenos naturais - já que os criou, e criou todas as leis que governam o universo? Seria imoral fazer com que bons pagassem junto com os maus, e a lógica agostiniana ou calvinista estaria em cheque... Finalmente, qual seria a vantagem de crer em um deus que não demonstra claramente seus critérios?

Epicuro de Samos (341-271 AEC) - o primeiro grande naturalista -, especulou sobre o tema:

"Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males? Por que razão é que não os impede?"

E se somos obrigados, por força dos argumentos e evidências a reconhecer que existem catástrofes naturais que evocam resultados maléficos, poderíamos também supor que muito do MAL atribuído ao homem pode vir de deus, ou mesmo ser interpretado como fenômeno natural... Deus, o seu deus, reclama a primazia sobre o bem e o mal:

"Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas." - Isaías [45:7]"

Este seria um deus imoral, mal, e sem espaço para a misericórdia, compaixão e amor... Este deus destrona Agostinho, e mais se assemelha ao patético deus de Calvino, que tem as cartas todas marcadas, tratando-nos como meras marionetes... E para quê? E por que os escolhidos deste sádico deveriam se vangloriar, e por que os não escolhidos deveriam se envergonhar, se nunca tiveram a opção de escolher que papel jogar?

Então invariavelmente retornamos à naturalidade dos fenômenos, e poderíamos invocar a seguinte proposição: bem e mal podem ser universais naturais e relativos... Naturais, já que nenhum deus joga com o destino do Universo, e simplesmente, desde de sinapses a fenômenos geológicos, tudo é natural, obedecendo a processos complexos, multivariáveis, estatísticos, caóticos, conferindo a falsa ideia de livre-arbítrio... E de fato este é o entendimento hodiernos... 

SOMOS QUEM SOMOS SEM INTENCIONAR SÊ-LO... MAS SOMOS, E RESPONDEREMOS - DENTRO DOS ACORDOS SOCIAIS - POR NOSSOS ATOS... RESPONSÁVEIS SIM, CULPADOS NÃO...

Bem e mal, por outro lado, podem ser relativizados... Por exemplo: a anemia falciforme é um infortúnio; mas não em uma região endêmica da malária - onde a hemácia em forma de foice literalmente empala o vírus causador da doença... O mesmo vale para a fibrose cística no caso de regiões endêmicas da cólera, como a Índia... Provas concretas da seleção natural...

Bem e mal podem ser relativizados e dinamizados, assim como fortuna e infortúnio... E o divisor de águas já não serão os deuses e sim o conhecimento...

Q.E.D.

Carlos Sherman 



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